Título: Ambientalmente incorreto
Autor: Albuquerque, Carlos ; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 05/06/2008, O Globo, p. 37

País cresce de forma insustentável, mostra análise do IBGE

Carlos Albuquerque e Maiá Menezes

A passos largos rumo ao crescimento econômico, o Brasil ainda engatinha no caminho da sustentabilidade. O panorama traçado pela pesquisa "Indicadores do Desenvolvimento Sustentável", divulgada ontem pelo IBGE, na véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente, revela que é preciso muito para que o país alcance o ideal previsto em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que é atender às necessidades do presente sem comprometer as gerações futuras.

Ao reunir 23 indicadores ligados ao tema - como terra, água doce, oceanos e biodiversidade - o instituto identificou sinais "contraditórios" em dimensões como a emissão de gases do efeito estufa e queimadas. A análise aponta avanços significativos na economia, mas, na área ambiental, o saldo é negativo. O desmatamento da Floresta Amazônica, altas taxas de poluição urbana e falta de saneamento básico foram alguns dos itens destacados pelo estudo.

- De uma forma geral, o que o relatório está mostrando é que estamos nos desenvolvendo de uma forma não sustentável - diz o biólogo Judicael Clevelario Junior, coordenador dos indicadores ambientais. - O desmatamento da Floresta Amazônica, que voltou a aumentar, é emblemático. Ele mostra que o futuro daquela região pode ser o presente da Mata Atlântica, da qual resta menos de 10% da sua cobertura original. A sociedade brasileira tem que se perguntar: esse é o tipo de crescimento que queremos para o país? Um crescimento baseado em um padrão predatório, no qual devastamos o ambiente para ocupá-lo, produzindo muito pouca riqueza?

Rios urbanos em estado crítico

As distorções entre o Brasil economicamente desenvolvido e os entraves ambientais e sociais ficam claras na área do tratamento de esgoto: a pesquisa mostra que o percentual de moradias sem saneamento básico chega a 24,9% na zona rural. Em 1992, o percentual era de 49%. Outro número chama a atenção: apenas 54% dos domicílios são considerados adequados (com abastecimento de água por rede geral, esgoto sanitário e coleta de lixo). O percentual no Sudeste é de 70% e, no Norte, cai para 23,7%.

De acordo com o estudo, a poluição dos rios que passam pelos grandes centros urbanos ainda está longe do ideal. Iguaçu e Tietê, que cortam Curitiba e São Paulo respectivamente, tiveram a qualidade de suas águas classificada como crítica.

- Por que os rios que cortam as grandes cidades fedem? Porque o saneamento básico é muito ruim - explica Judicael. - Quando a questão é o desmatamento, ainda temos que enfrentar essa falsa dualidade, entre preservar e produzir, mas em relação ao saneamento, ninguém questiona a sua importância.

As desigualdades também são evidentes no número de internações pelas chamadas "doenças da pobreza", que foi de 327 pessoas por 100 mil habitantes em 2005. O número foi maior no Acre (997 por 100 mil) e no Piauí (900 por 100 mil).

- A destinação do lixo, por exemplo, é inadequada e acaba se refletindo na qualidade da água que abastece essas cidades - conta Judicael. - E isso traz questões sociais e até econômicas. Afinal, temos que enfrentar doenças como a diarréia e gastar cada vez mais dinheiro para tratar a água. Embora possa não parecer, essas questões estão todas ligadas.

Avanços sociais e econômicos

A qualidade do ar das metrópoles também foi um dos índices negativos apontados pelo relatório do IBGE. Apesar do controle das emissões dos veículos, a concentração anual média de poluentes como monóxido de carbono (CO) e ozônio (O3) em cidades como Rio, São Paulo e Brasília ainda é muito elevada, afetando a saúde da população, especialmente crianças, idosos e portadores de doenças respiratórias.

- O ozônio é um poluente de difícil controle - explica o biólogo. - Ele é um oxidante poderoso, produzido na baixa atmosfera, e reage com substâncias orgânicas presentes no ar, resultantes da queima de combustíveis fósseis. O ozônio provoca alergias, irritação e ataca as vias respiratórias.

Enquanto persiste a polêmica em torno da demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, o IBGE aponta crescimento na regularização das terras indígenas. Entre 2003 e 2006, uma área de 23,5 mil quilômetros quadrados foi homologada no país.

Com dados já divulgados pelo próprio instituto e pelo Ministério da Saúde, o estudo aponta os atrasos na área social do país e destaca a colocação do Rio no triste ranking da violência. Em 2004, como o IBGE divulgou em 2005, o Rio de Janeiro era o estado com maior índices de homicídios do país, com 50,8 por 100 mil habitantes.

Ao retratar os bons ventos que sopram sobre a economia, o IBGE aponta ainda que cerca de 25% das famílias brasileiras vivia com renda de até meio salário mínimo por mês em 2006. Uma queda contínua desde 1992, quando o índice era de 41%.Também em 2006, a renda média do trabalhador era de R$873, um aumento de 26,8% em relação aos valores registrados 14 anos antes.

Ainda assim, as distorções se mantinham: as mulheres ainda recebiam em média 33% menos do que os homens, enquanto os pretos e pardos ganhavam 47% menos do que os brancos.

- Nós não somos uma sociedade sustentável. Mas será que alguma sociedade é? - avalia a pesquisadora do IBGE Denise Maria Kronemberger.

Um dos coordenadores do estudo, Wadith João Scandar Neto, resume o quadro traçado pelo IBGE:

- O que estamos aprendendo é que não basta justiça social. É necessário preservar as reservas naturais. Desenvolvimento sustentável é fazer um pacto com as gerações futuras.