Título: Venda atropelada
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 06/06/2008, Economia, p. 27

Documentos da Anac mostram corrida de pareceres para obter aprovação para VarigLog

Documentos aos quais O GLOBO teve acesso e que estão anexados ao processo administrativo da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) que trata da venda da VarigLog em 2006 revelam que a elaboração de pareceres foi acelerada para permitir a aprovação do negócio pelo órgão regulador. Este, em apenas sete dias, passou a tratar obstáculos que considerava suficientes para paralisar a operação como questões justificadas pela lei. Essa mudança, segundo denúncia da ex-diretora da Anac Denise Abreu, foi conseqüência de pressão da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

A corrida pela legalização da papelada começou uma semana antes de 23 de junho - quando a operação foi aprovada pela Anac, por volta da meia-noite. Até então, diante de suspeitas de contrato de gaveta, a agência insistia na apresentação de documentos para comprovar a origem dos recursos, para garantir que a empresa ficasse nas mãos de brasileiros, como manda a lei.

Um parecer de Denise, relatora do processo, suspendeu em 16 de junho o andamento da operação, sob alegação de que o montante de recursos desembolsado pelos sócios estrangeiros na Volo do Brasil - que legalmente comprou a VarigLog - era muito superior ao de acionistas brasileiros.

Enquanto a Volo Logistics LLC, controlada pelo chinês Lap Chan, dono do fundo americano Matlin Patterson, entrava com R$26.393.959,24, os sócios brasileiros - Marco Antonio Audi, Luiz Eduardo Gallo e Marcos Haftel - aportavam R$2.199.496. O restante veio com empréstimo da LLC aos três, de R$76.982.381,06.

"Somando-se a parcela integralizada no capital com o empréstimo concedido, tem-se que a Volo colocou cerca de R$103 milhões, 94% dos recursos da Volo do Brasil S.A.", diz o parecer. Este alerta ainda para a existência de cláusulas do referido empréstimo que poderiam dar aos estrangeiros o controle da companhia, o que contraria a legislação. O parecer recomendava "análise cuidadosa do contrato de empréstimo".

Na véspera da aprovação, 22 de junho, um parecer da Superintendência de Serviços Aéreos (SSA), abaixo de Denise, foi favorável ao negócio, mas com ressalva sobre a falta de documentação dos sócios, como a declaração de Imposto de Renda. O parecer da SSA diz ainda que os sócios apresentaram declaração de que não fora firmado qualquer acordo que pudesse implicar transferência do poder de controle da companhia - o que, aparentemente, contradiz o processo que corre na Justiça paulista, que revelou um contrato de gaveta abrindo brecha para essa operação.

No dia 23, horas antes de a venda ser autorizada, foi feito um terceiro e definitivo parecer, desta vez pelo procurador-geral da Anac, João Ilídio de Lima Filho. Este afirma não haver obstáculos jurídicos à operação e aponta uma resposta, juridicamente embasada, para cada ressalva feita anteriormente. Sobre o fato de apenas a Volo ter apresentado certidão negativa de débito, ele diz que só pessoas jurídicas são obrigadas a fazê-lo. Sobre a declaração de IR, o procurador sustentou que a exigência feria o sigilo fiscal e não era cabível. Por último, ele defendeu que os documentos sobre origem do dinheiro eram suficientes para a análise da nacionalidade do capital.

Em agosto, na CPI do Apagão Aéreo na Câmara, Denise se omitira de fazer a denúncia contra Dilma quando foi inquirida, três vezes e sob juramento, em relação à venda da VarigLog. Durante os trabalhos, também foi revelada a atuação contraditória de Denise, que chegou a agir à margem da lei e contra as supostas diretrizes do Planalto para leiloar linhas internacionais da Varig, em processo de recuperação judicial. Ela afirma ter recebido instrução de Dilma para não fazer o leilão das rotas, cobiçadas por TAM e Gol, o que acabaria por inviabilizar a venda da Varig. Mas, se houve ingerência, foi ignorada e Denise enfrentou a vontade do Planalto.

Na CPI foi revelada a ata da reunião em que Denise e outro ex-diretor, Josef Barat, tentaram vender as linhas. Ela discutiu aos gritos com Cristiano Martins, advogado da Varig, genro de Roberto Teixeira, hoje apontado como um dos artífices da influência presidencial no caso. Denise declarou sua disposição em leiloar as rotas, apesar de haver uma liminar do juiz Luiz Roberto Ayoub, do Rio, proibindo. Quando um oficial de Justiça apareceu no edifício para notificá-la, retirou-se às pressas da sala.

Denise depôs por oito horas na CPI e se esquivou de delatar o lobby que agora acusa. Na época, era acusada de mentir para uma juíza de São Paulo para liberar a pista de Congonhas. Quando o deputado Vic Pires (DEM-PA) perguntou se conhecia Teixeira, ela afirmou nunca ter tratado pessoalmente com ele - só o conhecia "por revista". Afirmou ter tido reuniões com filha e genro de Teixeira, advogados da VarigLog e da Varig, na Anac.