Título: ONU: reunião acaba sem ação concreta
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Fonte: O Globo, 06/06/2008, Economia, p. 29
Documento da FAO menciona apenas genericamente barreiras comerciais
ROMA. A resolução final da reunião de cúpula da ONU para debater a crise dos alimentos não trouxe propostas concretas ante as expectativas dos países pobres e das cerca de 850 milhões de pessoas afetadas pela fome extrema. Após três dias de reuniões em Roma, os delegados representantes de 183 países reiteraram a meta da Conferência Mundial de Alimentação de 1996, que propôs reduzir à metade o número de pessoas subnutridas no mundo até 2015. O texto traz palavras como "apoio" e "cooperação", mas aprovou apenas maior ajuda assistencial às nações carentes, sugerindo o envio de recursos e a revisão das dívidas desses países.
Em vez de condenar explicitamente os subsídios agrícolas e as barreiras comerciais - considerados fatores essenciais da crise - o documento final toca no assunto de forma genérica: "Encorajamos a comunidade internacional a prosseguir com seus esforços, no quadro da liberalização do comércio agrícola, reduzindo barreiras comerciais e as políticas que distorcem o mercado".
- A fome e a pobreza são questões delicadas e não podem ser reduzidas a um jogo semântico - criticou uma delegada da Zâmbia.
O chanceler brasileiro, Celso Amorim, disse ontem, em Paris, durante uma reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), que os subsídios estão entre os principais fatores responsáveis pela crise mundial de alimentos.
- Deve haver um compromisso político para a total eliminação dos subsídios - defendeu Amorim.
O ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, mostrou-se decepcionado com as propostas do documento, considerando-se as expectativas geradas pela conferência, que reuniu também organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Bird):
- Lamentavelmente (o documento final) foi muito diluído com relação às ambições iniciais - disse Frattini.
Os delegados disseram que a conferência da FAO pelo menos conseguiu colocar a questão dos preços dos alimentos no topo da agenda global. O texto final foi fruto de intensas negociações entre os delegados e sua divulgação chegou a ser adiada por pressão dos europeus.
Para FAO, biocombustível é "oportunidade" e "desafio"
Outro tópico que gerou tensão e dividiu os participantes da cúpula foi a questão dos biocombustíveis. Os EUA defenderam o uso de biocombustíveis, apesar das acusações de que a destinação do milho para produzir o etanol é um dos fatores que vêm pressionando os preços do produto. O Brasil distinguiu seu projeto do americano, afirmando que o etanol produzido pela cana-de-açúcar não afeta os preços dos alimentos e é ecologicamente melhor.
Sobre esse tema, a resolução se manteve em cima do muro, considerando a iniciativa tanto um "desafio" quanto uma "oportunidade". Este aspecto do documento agradou ao Brasil.
"É essencial enfrentar o desafio e a oportunidade decorrente dos biocombustíveis, levando em conta a segurança alimentar mundial, a energia e o desenvolvimento sustentável", diz o documento. "Estamos convictos que estudos aprofundados são necessários para garantir que a produção e o uso dos biocombustíveis esteja de acordo com os três pilares do desenvolvimento sustentável."
Além dos representantes dos países afetados, ativistas anti-pobreza e ONGs, o documento final da Conferência da FAO sobre Segurança Alimentar, Mudanças Climáticas e Bioenergia também desagradou a Argentina, ao mencionar as barreiras às exportações de grãos, medidas que vêm sendo adotadas por alguns países para garantir o abastecimento interno e o controle dos preços.
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