Título: Alerta nas contas externas
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 09/06/2008, Economia, p. 15

Economistas temem que aumento do déficit, hoje em US$14 bi, interrompa crescimento do país.

Odiagnóstico é unânime entre os economistas: o buraco nas contas do Brasil com o exterior (comércio de bens, de serviços e financeiros), medidas em dólar, começa a preocupar. Num mar de boas notícias econômicas, o chamado déficit em transações correntes se junta à inflação para manchar o céu de brigadeiro. O Brasil passou de um saldo na conta corrente de US$18 bilhões há um ano para um rombo de US$14 bilhões com o resto do mundo em abril. O sinal amarelo acendeu, mas os economistas concordam que há tempo para evitar danos futuros, como uma valorização abrupta do dólar, provocando inflação e cortando o crescimento econômico, situação vivida repetidas vezes pelo Brasil.

- Já vimos esse filme antes reiteradas vezes, mas parece que gostamos dele - disse o professor da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzo.

O déficit cresce numa velocidade indesejável, diante da valorização do real desde 2003. O temor é que chegue perto dos 4% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pela economia), patamar que antecedeu à crise cambial de 1998. Assim, o remédio de juros altos pode voltar para conter o crescimento atual, que ressurgiu depois de décadas de estagnação. Hoje, o déficit como parcela do PIB está em 1,08%.

Apesar de concordar com o diagnóstico, os economistas se dividem na hora de receitar o remédio: uns defendem corte nos gastos do governo; outros, controle mais rigoroso na entrada de capitais de curto prazo e juros mais baixos. Há quem diga que o próprio mercado vai se ajustar.

- O governo já sinalizou que está preocupado. Não se pode confiar no ajustamento automático via câmbio flutuante. Períodos longos de apreciação cambial são seguidos de súbita inversão, com ajuste traumático. Mas não é um cenário que se configura a curto prazo e sim a médio prazo - disse o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, diretor do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI).

Analista: quarentena para capital externo

A preocupação tem razão histórica de ser. O Brasil ficou engatinhando, sem crescer, duas décadas, por causa do déficit, que começa a despontar novamente. O dólar avançou, afetando produção, emprego e renda. Os economistas dizem que hoje é diferente: há US$200 bilhões de reservas para sustentar uma saída brusca de dólares sem afetar o consumo. O grau de investimento dado por duas agências de risco atesta que não vai faltar dinheiro externo, já que agora é considerado seguro investir no país.

- Nos últimos 12 meses (terminados em abril), foram US$37,2 bilhões em investimento direto estrangeiro, o que representa duas vezes e meia o tamanho do déficit. Antigamente se dizia que, quando os Estados Unidos espirravam, o Brasil pegava uma pneumonia. Hoje, os EUA têm pneumonia e a América do Sul nem espirra - diz Nogueira.

O tranco mais recente ocasionado pelo déficit foi antes da desvalorização do real, em 1999. Sem dólares para fechar as contas, o país foi obrigado a subir os juros, o que atraiu capital externo especulativo e estagnou a economia. Nos anos 90, a média de expansão do PIB foi de 2% ao ano. Para o economista da UFRJ e do BNDES Francisco Eduardo Pires de Souza, o real está mais alto do que deveria:

- Não há o que fazer diante do aumento da inflação (em 12 meses, já superou a meta fixada para 2008 de 4,5%). O déficit pode se reverter dentro de dois a três anos.

Os economistas, porém, concordam que a situação atual é bem mais confortável do que no passado. Pires de Souza ainda ressalta que o investimento direto estrangeiro aumenta a capacidade da economia brasileira de produzir mais.

- O investimento direto está financiando esse déficit.

Já Belluzo acredita que o dólar já passou do ponto de baixa:

- Estão descarregando um peso excessivo aos juros para combater a inflação. Deve haver combinação mais concatenada com a política fiscal.

Ricardo Carneiro, da Unicamp, defende mais controle de entrada de capitais. Para ele, o grau de investimento está atraindo dólares, nem todos de boa qualidade:

- Vem dinheiro de qualidade boa e ruim. Um mecanismo para conter a apreciação cambial (quando o real se valoriza) seria aumentar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras, o que já foi feito pelo governo) e o Imposto de Renda nessas aplicações. Há ainda a quarentena. O dinheiro de fora ficaria parado seis meses sem remuneração, como é feito no Chile.

Antonio Corrêa de Lacerda, economista da PUC-SP, concorda com uma quarentena suave: de dois a três meses. Para ele, o superávit primário (saldo das contas públicas antes do pagamentos de juros), que subiu de 3,8% para 4,3% do PIB em maio, não vai reduzir as importações.

Luís Afonso de Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), diz que a apreciação do dólar já começou e vai continuar até 2012. Porém, ele acredita que o aumento da competitividade dos exportadores brasileiros será possível através de medidas de prevenção, como as reformas tributária e da Previdência, além do Programa de Desenvolvimento Produtivo.

Apesar de preocupante, o déficit externo brasileiro ainda é financiado com folga pelo investimento direto. Porém, esse dinheiro volta para seus países de origem por meio de remessa de lucros. Foi essa parcela que provocou o déficit nas transações:

- Nosso passivo era de US$297 bilhões em 2004. Em setembro de 2007, pulou para US$543 bilhões - lembra Carneiro, da Unicamp.

Segundo Paulo Nogueira, do FMI, "os juros altos são um remédio contra o déficit em transações correntes, mas o efeito colateral é o menor crescimento. E isso é o contrário ao desejado, que é um crescimento sustentado ao longo dos próximos anos."