Título: A nova classe B emergente
Autor: Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 08/06/2008, Economia, p. 39

Quase 20 milhões mudam de faixa social com melhora na renda. Empresas alteram estratégias

Bruno Rosa

OBrasil já vive um segundo ciclo de mobilidade social. A classe C, que a partir de 2003 cresceu com a melhora na renda da classe D, agora sobe mais um degrau da pirâmide: a procura de empresas por profissionais mais qualificados e o aumento da renda dos trabalhadores elevaram em 19,7 milhões nos últimos cinco anos o número de pessoas na classe B (com ganho médio mensal de R$3.040), das quais 6,5 milhões apenas entre 2007 e 2008. É de olho nesse movimento que diversas empresas têm alterado suas estratégias, com o lançamento cada vez mais rápido de produtos no varejo.

A classe B registrou o maior avanço entre todos os estratos sociais, informa levantamento feito pela Consultoria Target a pedido do GLOBO. O número de lares que pertencem à classe B cresceu 80% nos últimos cinco anos, chegando a quase 13 milhões. Foram 5,771 milhões de casas a mais no período, das quais dois milhões somente entre 2007 e 2008. A classe C também se expandiu, de 12,350 milhões para 20,860 milhões de lares entre 2003 e 2008, mas a alta foi menor: de 68,9%. No último ano, foi pouco mais de um milhão. Já a classe A ganhou um milhão de integrantes de 2007 para cá.

Para Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), as famílias que passaram a integrar a classe B conseguiram empregos de maior remuneração, contribuindo, em grande parte, para o aumento entre 5% e 6% da renda real anual no país.

Alta de juros pode inibir consumo

Segundo Marcos Pazzini, responsável pela pesquisa da Target, os negócios já reagem de forma diferente:

- No caso dos carros, a venda de veículos com motores mais potentes cresce a uma velocidade maior. Nas farmácias, os cosméticos de prevenção, os mais caros, são os mais vendidos. Parte desse público não leva só o preço como fator principal na hora da compra. Isso é reflexo do crescimento do país e da demanda por profissionais mais qualificados. Quando há mais dinheiro disponível, os consumidores optam por realizar seus desejos de consumo - diz Pazzini.

A família de Catiane Barbosa verificou uma alta na renda depois que o seu marido, o motorista André Loca, mudou de emprego e conseguiu um salário maior. Para os dois filhos, Carlos Henrique, de 12 anos, e André Júnior, de três, o casal comprou eletroeletrônicos:

- A economia está melhor. Temos dois filhos. Quando meu marido mudou de emprego, conseguimos investir mais no lazer. Há pouco, compramos aparelhos eletrônicos, como DVD portátil, videogame Playstation, TV grande e um aparelho de som - diz Catiane.

Para Ernani Torres Filho, superintendente da Área de Pesquisa Econômica (APE), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o aumento de 1,5 milhão de empregos formais por ano ganha impulso com o avanço dos investimento das empresas e do governo na economia, cerca de 2,5 vezes maior que o consumo.

- O consumo das famílias cresce 6% ao ano. No fim do ano passado, houve um salto de 8,6%. É o mais longo crescimento em 20 anos. E isso permite uma redistribuição da renda. O piso salarial está subindo. Com isso, há um consumo de maior qualidade, aumentando o patrimônio dos lares. Este ano, o investimento vai crescer entre 14% e 16%, e o consumo, na faixa de 6%. Quando essas famílias ascendem a uma nova classe social, têm mais acesso à crédito. Porém, se os juros subirem muito, esse cenário será prejudicado - afirma Torres Filho.

Dependência de crédito é grande

Eduardo Terra, professor do MBA de Varejo e coordenador do Provar, da Universidade de São Paulo (USP), afirma que a migração ainda é recente, mas já é motivo de estudo por diversas empresas:

- Fizemos um estudo e percebemos que uma loja arrumada aumenta as vendas por impulso entre os clientes das classes A e B. Por isso, as redes voltadas para a classe média mudaram sua estratégia.

Ele diz que essa nova classe B tem demanda reprimida por bens duráveis e semiduráveis.

- Quando esses consumidores pertenciam à classe C, não tinham acesso a esses produtos. Por isso, agora, vão recorrer ao crédito para mudar sua lista de compras.

Cecília Russo, sócia da Troiano Consultoria de Marca, confirma que o consumidor da classe B ainda é muito dependente de crédito. Essas famílias usam o cheque especial e o cartão de crédito para viajar e comprar artigos eletroeletrônicos.

- E as empresas já começam a mudar o público-alvo de seus produtos. A dúvida é como separar essas famílias, que ainda se comportam como classe C, mas gastam e têm aspirações da classe A. Geralmente, o valor do item não é primordial em uma série de categorias. O que faltava à classe B era o acesso aos produtos, mas com o crédito isso se tornou possível, já que a renda familiar aumentou - explica Cecília.