Título: No 3º choque do petróleo, 25 anos em 5 meses
Autor: Ordoñez, Ramona; Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 08/06/2008, Economia, p. 41
De janeiro de 2008 até o último dia 6, barril subiu 44%, alta que o mundo levou duas décadas e meia para atingir
Ramona Ordoñez e Danielle Nogueira
O mundo já vive o terceiro choque do petróleo, 28 anos depois de ter sido abalado pela última disparada dos preços do barril. Mas este se caracteriza por uma crise de preço, não de interrupção da oferta. De 1º de janeiro de 2008 até o recorde de sexta-feira passada, quando o barril do petróleo leve americano fechou em US$138,54, sacudindo as bolsas e provocando protestos mundo afora, a alta acumulada foi de 44,3%. Desde o segundo choque, foram precisos 25 anos para que as cotações dessem salto semelhante, em valores nominais. Em 1980, a média anual de preço foi de US$36,83, passando para US$54,52 em 2005, avanço de 48%.
A discussão sobre o terceiro choque ganhou força após o Goldman Sachs ter previsto, em maio, que o barril poderia chegar a US$200 até o fim do ano. Desde então, até a Agência Internacional de Energia (AIE) ressuscitou a expressão que se achava enterrada. Mas poucos se arriscam a fazer previsões.
- É difícil prever quando pode chegar a esse patamar - diz o especialista Alexandre Chequer do escritório Tauil, Chequer & Mello Advogados.
Três fatores ausentes nos dois primeiros choques explicam, em boa parte, a atual escalada de preços, iniciada em 2002. O primeiro é a forte demanda por petróleo de países emergentes, especialmente a China. Desde 2002, quando o mundo começou a sentir com mais intensidade a força do crescimento chinês, a demanda de petróleo do país aumentou de 5,14 milhões de barris por dia para uma estimativa de 7,9 milhões de barris diários este ano, crescimento de 53,67%, segundo a AIE.
- A demanda não cai porque está sendo puxada por países que no passado não tinham esse consumo, como China e Índia - diz o diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa.
Além disso, lembra o especialista Adriano Pires, 51% da população mundial consomem gasolina subsidiada. Portanto, não têm preocupação em reduzir o consumo. Os outros dois fatores são a depreciação do dólar - desde 2002, a moeda americana teve desvalorização de cerca de 30% - e a negociação de contratos futuros da commodity em bolsas de valores, iniciada apenas em 1983.
- A desvalorização do dólar mascara o aumento real do petróleo. Há ainda um forte componente especulativo, por causa das negociações em bolsa - diz o consultor David Zylbersztajn.
Apesar da alta de preços, dificilmente o mundo entrará em recessão, como nos dois choques anteriores. No passado, o salto no preço foi repentino - a cotação média anual triplicou no primeiro choque e duplicou no segundo em 12 meses. Isso se deveu a cortes de fornecimento por alguns dos principais produtores, em retaliação a conflitos políticos, o que levou os EUA a frearem o consumo de combustíveis.
Hoje, não há falta de energia, embora o equilíbrio entre oferta e demanda esteja apertado. E, apesar da crise financeira americana, os países emergentes conseguem manter a demanda aquecida, evitando que a economia mundial desaqueça.
O aumento gradual de preços nos últimos anos também permitiu que o mundo se tornasse menos vulnerável, dando tempo aos consumidores para se adaptarem à mudança. Isso se reflete na mudança da matriz energética mundial. Em 1973, o petróleo respondia por 46,2% da oferta de energia do mundo. Em 2005, a fatia havia caído para 35%.
- Há um movimento na direção de outras fontes de matéria-prima - diz o coordenador da comissão de plásticos da Associação Brasileira da Indústria Química e vice-presidente da Braskem, Luiz de Mendonça.
Brasil está menos vulnerável que na década de 80
Em relação aos outros dois choques, o Brasil está hoje em uma situação bem mais confortável. Em 1980, no segundo choque, o país importava 85% do petróleo que consumia. Dois anos depois, o déficit na balança comercial fora de US$10 bilhões, principalmente por causa das importações de combustível. Hoje, o país é auto-suficiente, com produção diária de 1,85 milhão de barris. O déficit de petróleo e derivados acumulado nos quatro primeiros meses de 2008 é de US$550 milhões. Mas segundo Costa, da Petrobras, haverá superávit no fim do ano.
Apesar de menos vulnerável, o país não está imune. De janeiro a maio, o querosene de aviação (QAV) subiu 19,97%, elevando o peso dos combustíveis no custo das empresas de 35% para 45%.
- Certamente haverá alta de preço nas passagens - diz José Márcio Mollo, presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea).