Título: Crise da Anac expõe falha das agências
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 08/06/2008, Economia, p. 42
Governo é acusado de esvaziar instituições e elevar risco para investimentos
Ao ser acusada de interferir na venda da VarigLog, a ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, respondeu às acusações afirmando estar sendo "vítima de fogo inimigo". Essa retórica não convenceu especialistas em regulação. Eles estão convencidos de que a denúncia evidenciou as falhas das agências reguladoras, o que poderá inibir investimentos no país. Duas delas, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), têm cargo de diretor vago desde o fim de 2007 e 2004, respectivamente.
A ministra justificou a intervenção na Anac alegando que o governo queria evitar uma falência. Dilma nunca escondeu sua opinião sobre as agências reguladoras - herança deixada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tirou as agências do papel no rastro das privatizações dos anos 90.
Segundo a advogado Valdo Rizzo, do escritório Lobo & Rizzo, o presidente Lula esvaziou as agências trazendo o "poder de volta para os ministérios". Rizzo advoga para empresas fiscalizadas pela Anac e ANP.
Esse esvaziamento deixou as agências à mercê de pressões do Executivo. Os diretores da Anatel não estão conseguindo chegar a um acordo sobre as mudanças no Plano Geral de Outorgas. A falta de definição está inviabilizando a supertele, que vai nascer da fusão da Brasil Telecom (BrT) com a Oi.
- O governo Lula é ambíguo em relação às agências, enquanto o governo FH era mais entusiasmado - compara Rogério Schmitt, da Tendências.
Lei das agências está parada no Congresso
O sinal mais claro dessa ambiguidade seria o fato de a Lei Geral das Agências Reguladoras, apresentada pelo próprio governo, estar paralisada no Congresso Nacional desde 2004.
A proposta já recebeu 140 emendas, 30% delas aproveitadas. Incluiu-se a definição das atribuições de ministérios e agências. Foi sugerida mais transparência, o que obrigará as agências a fazer reuniões públicas e divulgar antecipadamente a pauta das reuniões. Por fim, conselheiros e diretores terão mandatos de quatro anos, sem reeleição. Hoje, o mandato varia em cada agência.
- Pior do que desestimular investimento externo, a fragilidade das agências deixa o consumidor sem proteção - avalia o ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) Arthur Barrionuevo, da FGV de São Paulo.
Ainda à época do então chefe da Casa Civil José Dirceu, em 2003, o presidente Lula exigiu uma solução rápida, quando soube que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Anatel iriam aumentar tarifas. O ministro das Comunicações Miro Teixeira, então, anulou o aumento e anunciou que as tarifas seriam desindexadas.
- A legislação que daria mais autonomia às agências reguladoras está parada no Congresso desde 2004 - diz Aloísio Araújo, professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV-Rio.
Segundo ele, o amadurecimento das agências no Brasil caminha lentamente. Já se passaram 12 anos desde que a Aneel saiu do papel, em 1996. Hoje, já são dez agências e a caçula delas é a Anac, criada em 2005.
- No Brasil e no exterior as agências vivem, de um lado, pressionadas pelo governo e, de outro, pelas empresas do setor privado que regula - analisa Schmitt.
O problema no Brasil, na opinião de especialistas, é que, das dez agências reguladoras, apenas Aneel e Anatel atuam de forma autônoma.