Título: Na economia, psicologia é fundamental
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Fonte: O Globo, 08/06/2008, Economia, p. 43

Na hora de tomar uma decisão importante, presidente do BC racionaliza e depois procura "parar e sentir"

BRASÍLIA. Na manhã do sábado que antecedeu a reunião do Copom, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ficou em sua casa no Lago Sul preparando-se para mais uma pesada rodada de discussões para definir a taxa de juros do país - que acabou subindo pela segunda vez consecutiva após três anos. Geralmente arredio a contatos com a imprensa nos dias que antecedem o Copom, fez uma concessão e aceitou receber a "Rádio do Moreno" para uma conversa em sua residência às margens do Lago Paranoá. Meirelles fez questão de dizer logo na entrada que a casa é dele, e não do BC. Qualquer um diante dele naquele momento perguntaria direto se os juros subiriam ou não. Mas como o combinado era uma conversa sobre Bossa Nova, música e variedades, uma das primeiras perguntas foi totalmente inusitada para a autoridade em questão: "O senhor já usou drogas?". Desligados os microfones, o assunto juros foi abordado de forma direta: "O presidente Lula pressiona muito para baixar os juros?". Longe do gravador, a resposta: "Pressiona demais". A pergunta seguinte foi: "E qual é o seu limite?". Ele responde: "É legítima a pressão do presidente da República pela queda dos juros. Todos os presidentes do mundo fazem essa pressão, e todos os presidentes dos bancos centrais do mundo são alvo dela".

Jorge Bastos Moreno

O senhor, quando garoto, pensava em ser o que na vida?

HENRIQUE MEIRELLES: Bom, eu tive várias fases. Jogador de futebol...

Quantos anos tinha?

MEIRELLES: Sete, oito, por aí. Tive a fase de piloto de automóveis...

Fale um pouco da sua infância, o senhor nasceu em Goiânia...

MEIRELLES: Meu pai se mudou para Goiânia ainda na construção da cidade. Ele era advogado e, na época, trabalhava para o governo do estado. Eu nasci em Anápolis porque lá havia um bom hospital e era onde morava a mãe da minha mãe, minha avó. Então eu nasci em Anápolis, mas fui criado e cresci em Goiânia até os 18 anos de idade. Com 18 anos, fui para São Paulo para fazer cursinho, vestibular e estudei na Universidade de São Paulo. Depois fui estudar no Rio de Janeiro e fiz universidade. Voltei para São Paulo, onde morei por muitos anos até ir para o exterior.

Queria que o senhor falasse dessa fase de automóvel...

MEIRELLES: Foi uma fase curta, na qual eu experimentei um pouco a competição e a precisão do automobilismo. Tomei aulas e depois competi amadoristicamente em Interlagos, em carro de turismo, etc.

Teve outro "esporte" em sua vida?

MEIRELLES: A maior paixão da adolescência foi a política estudantil.

Dizem até que o senhor chegou a servir de motorista para a UNE na gestão do Aldo Arantes, na panfletagem... Isso é verdade?

MEIRELLES: Verdade. O Aldo é meu primo e eu, na época, cheguei a presidente do grêmio estudantil do colégio onde estudava, o Liceu de Goiânia. Depois fui presidente da Confederação Goiana dos Estudantes Secundaristas, quando Aldo foi eleito presidente da UNE. Isso foi em 61, 62. Anos mais tarde, ajudei na luta política dele.

Dizem que o senhor é totalmente diferente do que era quando jovem, o que aliás acontece com a maioria das pessoas. Não se pode dizer que o senhor era um hippie ou um bicho-grilo, mas usava cabelo comprido?

MEIRELLES: Eu tinha barba crescida, e cabelos compridos também, durante os meus primeiros anos de faculdade.

Era uma época de revolta, coincidiu também com a chamada geração LSD, aqueles delírios dos jovens... O senhor chegou a usar drogas?

MEIRELLES: Não, droga eu nunca cheguei a usar. Eu sempre prezei muito o controle das minhas próprias ações. Eu nunca... Eu me dei muito bem com o que eu percebia como falta de controle. Eu tive instintos muito fortes, mas sempre tive racionalidade também. Eu sempre procurei ter o comando.

E na questão cultural? Qual era a sua preferência musical na época?

MEIRELLES: Música popular. Eu morava em um apartamento em São Paulo de onde eu via o Teatro Record. Era lá que existiam os festivais de música popular brasileira. Foi quando apareceram para o grande público Elis Regina e depois Edu Lobo etc. Eu participei muito daquilo. Na Rua Maria Antonia, em São Paulo - eu estudava na Poli -, existiu um grupo de pessoas muito ligadas à FAU, como Chico Buarque etc., que começavam também a vida profissional. Acompanhei de perto o início da carreira do Chico Buarque. Eu era amigo do irmão dele, o Álvaro, um pouco mais velho, que fazia Direito no Mackenzie. Participei de tudo. Freqüentei o Bar Sem Nome, que depois virou o Bar do Zé, ali na Vila Nova. Participei de todo aquele movimento, como ouvinte.

Embora a gente não vá falar de política, mas já que o senhor falou na Rua Maria Antonia... O Caetano Veloso, quando quer justificar a afinidade do PT com o PMDB, diz que ambos nasceram na Rua Maria Antonia. Lá o senhor conheceu muitas pessoas que estão hoje na política?

MEIRELLES: Um dos mais conhecidos da época é o José Dirceu, que era um líder político atuante e importante. Mas, de fato, era um período de muita efervescência, de muita atividade. Para mim foi uma época muito boa e muito intensa, não só politicamente, mas também intelectual e emocionalmente. Foi um tempo em que se começou a descobrir a terapia, a psicoterapia. Foi um período muito importante na minha formação pessoal e profissional.

O senhor chegou a ser analisado?

MEIRELLES: Cheguei. Sempre me interessei muito por psicoterapia. Leio muito sobre psicoterapia, já fiz cursos. E hoje já se começa a entender que a Psicologia é fundamental na análise macroeconômica porque, em última instância, os economistas analisam o comportamento do consumidor e dos investidores. Então, a Psicologia é fundamental. Hoje, cada vez mais, nos cursos de Economia de ponta, leva-se em conta o aspecto psicológico. Quando estava nos Estados Unidos - porque fiz parte do conselho de diversas universidades, como MIT, Harvard e outras - estudei muito esse assunto e fiz cursos de Psicologia.

O senhor tem tempo para ouvir música, ir a cinema, ler?

MEIRELLES: Leio onde posso, no automóvel, no avião, no aeroporto, quando chego em casa à noite, quando tenho tempo no fim de semana... Gosto muito de ler e leio muito. Ouço música clássica - Beethoven ou Vivaldi - ou música popular brasileira da minha época: Chico Buarque, Caetano etc., Elba Ramalho...

Desses artistas e dessas músicas, o que o faz lembrar mais da juventude?

MEIRELLES: Chico Buarque.

Qual a sua música preferida do Chico?

MEIRELLES: A que me marcou foi a primeira, com a que ele ficou conhecido no festival, "A Banda". Eu acompanhei, eu estava lá. (...) Depois começou o Tropicalismo e aí houve um episódio interessante. Estava em um espetáculo no Tuca (Teatro da Universidade Católica de São Paulo). Na saída, fui apresentado a um jovem executivo, que estava arrumado, cabelo cortado, chamado Gilberto Gil. Tempos depois, Gil acabou voltando para Salvador e se dedicando à música. Ele trabalhava na Gessy Lever.

Tom Jobim, Edu Lobo, Carlinhos Lyra... De qual música da Bossa Nova o senhor se lembra?

MEIRELLES: Acompanhei a Bossa Nova, mas me marcou menos. Certamente Tom, Vinícius foram parte importante da juventude de todos nós daquela época, mas o que me marcou mais foi a música ali em São Paulo. "Morena dos olhos d"água", do Chico... E eu gostava muito, por alguma razão sempre gostei muito, do Martinho da Vila. No carro, ouço até hoje Martinho da Vila. Uma coisa que me toca muito é a alegria que ele transmite.

E literatura?

MEIRELLES: Sou um leitor compulsivo e, quando posso, diversifico um pouco. Mas, evidentemente, tenho que ler muita coisa de trabalho. Hoje em dia minha carga de leitura é muito grande. Então, por exemplo, reli, nos últimos dias, o Alan Greenspan. Reli também, porque escrevi o prefácio do livro, "O Brasil globalizado" (de Fabio Giambiagi e Octavio de Barros), para ver se de fato eu tinha dito coisas corretas quando li os capítulos que tinham sido enviados previamente para mim. Procuro diversificar. Hoje pela manhã eu estava lendo "Desafios da terapia", de Irvin D. Yalom, que é algo que me interessa muito. É um livro muito bom. Yalom também escreveu "Quando Nietzsche chorou". Pretendo ler agora o "Conversación em la catedral", de Mario Vargas Llosa.

Ministro, em relação a cinema, qual é o seu filme inesquecível?

MEIRELLES: Filme inesquecível... Esse é um negócio complicado. Acho que "O anjo exterminador", de Buñuel.

Nos últimos tempos, o senhor chegou a ver algum filme em sala comercial ou não? Qual o último filme que o senhor viu?

MEIRELLES: Eu vi "Tropa de elite", no Rio, recentemente.

O senhor é um homem que conhece o mundo, já experimentou todo o tipo de gastronomia. Qual o seu prato preferido?

MEIRELLES: Evidentemente, não preciso mencionar o arroz com pequi. Certamente. Eu tenho também uma boa preferência por moqueca de peixe e gosto muito da comida baiana. Agora, de fato, se pudesse caracterizar minha preferência, seria por comida exótica. (...) Gosto de comida temperada. Fui a uma reunião de bancos centrais em Kuala Lumpur. Eu me sentei em uma mesa de presidentes de bancos centrais. Notei que tinha ao lado de nós vários pratos pequenos. Perguntei para a presidente do Banco Central da Malásia o que era aquilo. Ela respondeu: "Pimenta". E disse: " Coloque, mas vá com cuidado". Quando observei, vários desses presidentes de BCs dali da Ásia me olhavam surpresos. Um deles falou: "O senhor é bravo!" (risos). Depois de uma semana de pimenta, tinha irritado um pouco meu trato intestinal. Mas gosto muito de comida apimentada.

Religião: o senhor tem alguma?

MEIRELLES: Sou católico por formação e por muita prática durante minha vida toda. Meus pais eram muito religiosos. Para você ter uma idéia, durante um bom período, houve missas diárias na sala de minha casa.

Quando o senhor vai tomar uma decisão, uma decisão de risco, uma decisão importante, o senhor costuma rezar ou vai no raciocínio econômico?

MEIRELLES: Numa decisão difícil, faço duas coisas: procuro exaurir toda a racionalidade do processo e, depois de certo tempo, procuro parar de pensar e procuro sentir.