Título: Um intelectual no reino rebelde
Autor: Azevedo, Cristina
Fonte: O Globo, 10/06/2008, O Mundo, p. 31

BOGOTÁ. A morte do mais velho líder rebelde do mundo conduziu a Colômbia a um novo capítulo de seu longo conflito, com um comunista letrado agora à frente de uma guerrilha minguante, que luta contra um governo convencido de sua habilidade para apresentar uma derrota ressonante. Guillermo Sáenz Vargas estudou antropologia num dos melhores bairros de Bogotá quando, movido pela ala política radical da universidade e determinado a expulsar a elite dominante, entrou para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), assumindo o codinome Alfonso Cano.

Agora, 26 anos depois, Cano está liderando o último movimento guerrilheiro significativo da América Latina, uma organização hermética, anacrônica, comprometida com a luta armada muito tempo depois do colapso da União Soviética.

Algumas das pessoas que conheceram Cano, por terem lutado ao seu lado nos anos 1970 ou sentado na mesma mesa em negociações de paz, o descrevem como um homem de inteligência fina cujas raízes na guerrilha o transformam no líder mais indicado para a função. Mas o líder, à beira dos 60 anos, também é tido com dogmático e intransigente.

Numa rara entrevista tête-à-tête para o ¿Washington Post¿ em 2000, uma de suas últimas, Cano disse estar aberto a negociações, mas não hesitou em reafirmar que o principal objetivo das Farc era chegar ao governo da Colômbia.

¿ No longo prazo, está definido: queremos estar no poder ¿ disse.

A ascensão de Cano acontece em meio a uma dura realidade política das Farc que, segundo alguns analistas e militares, pode levar à intensificação do conflito.

¿ Cano precisa administrar sua consolidação interna das Farc, e isso significa que a prioridade será militar em vez de política ¿ disse Camilo Gómez, ex-negociador de conflitos do governo que se encontrou com Cano em 2002. ¿ Nesse primeiro estágio, Cano não pode agir com nenhum impulso político pois isso seria uma mensagem de fraqueza para as Farc.

A guerrilha, no entanto, está se aproximando do fim da guerra em meio a tentativas cada vez mais intensas: um quarto de suas unidades foram neutralizadas, a comunicação por rádio foi interrompida e centenas de guerrilheiros estão desertando por mês.

O Exército colombiano, que tem 270 mil membros, prevê vitória sob a guerrilha a não ser que as Farc optem pela negociação.

¿ Eles vão sofrer as conseqüências ¿ disse o ministro da Defesa, Juan Manuel Santos. ¿ Eles estão muito fracos, e nós estamos melhores a cada dia.

O general Mario Montoya, à frente do Exército, disse que a inclinação política do novo secretariado poderia estimular as negociações, mas que isso poderia levar um ou dois anos.

¿ Nem o país, nem o Exército, nem ninguém deveria ter ilusões de paz com a chegada de Cano ¿ disse.

Mas apesar de todas as dúvidas sobre o processo de paz, os que conheceram Cano e estão familiarizados com o conflito dizem que o líder guerrilheiro também deve entender melhor do que ninguém que as Farc estão em situação vulnerável. A guerrilha viu sua popularidade diminuir dramaticamente na última década, com muitos dos colombianos concluindo que o grupo sabotou conversas de paz para focar em tráfico de drogas e seqüestros.

Moritz Akerman, ex-colega de prisão de Cano e ex-negociador, disse que a mistura de inteligência e ambição do líder podem levá-lo a sentar à mesa.

¿ Acho que ele ficaria muito seguro de si num processo de paz, com a capacidade de fazer os movimentos políticos necessários que precisam ser feitos em todas as negociações ¿ disse Akerman.