Título: Decifrando Chávez
Autor: Azevedo, Cristina
Fonte: O Globo, 10/06/2008, O Mundo, p. 31

Adeclaração do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, dizendo que não há mais espaço para a guerra de guerrilha no continente e pedindo que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) libertem todos seus políticos gerou diferentes leituras ontem na Colômbia, indo da suspeita de um acordo implícito entre os dois governos ao ceticismo e à esperança do início de uma nova fase no processo de paz. Chávez, que antes pedia que as Farc fossem reconhecidas como forças beligerantes, causou surpresa domingo ao dizer que a existência delas se tornou um pretexto para os EUA ameaçarem a região. Uma entrevista do ex-senador e ex-refém Luis Eládio Perez afirmando que mais seqüestrados devem ser libertados em breve aumentou as especulações, no momento em que a Colômbia aguarda o primeiro passo do novo líder do grupo, Alfonso Cano.

O especialista em Farc Ariel Árias, da Corporação Arco-Íris ¿ ONG que estuda o conflito ¿, acredita numa espécie de acordo implícito entre Bogotá e Caracas: um não pressiona com o que teria sido achado nos computadores do guerrilheiro morto Raúl Reyes, e que segundo a Colômbia compromete Equador e Venezuela, e o outro abranda o discurso sobre o grupo.

¿ Não se sabe se o que está nos computadores é verdade ou não, mas eles são um instrumento de pressão. A Venezuela tem eleições regionais em novembro, e Chávez, que foi derrotado no referendo passado, espera que esses computadores fiquem calados ¿ disse Árias ao GLOBO por telefone.

As Farc vêm sofrendo fortes golpes, com a morte de líderes de seu secretariado, deserções e traição. Alguns analistas entenderam a declaração de Chávez como mais um revés para a guerrilha, criando mais pressão sobre ela. Alfredo Rangel, diretor do Instituto de Segurança e Democracia, disse à Reuters que as Farc ¿perderam o último balão de oxigênio que lhe restava¿. Árias, por outro lado, não espera grandes mudanças nas Farc, já que desde 2005 os comunicados eram assinados pelo ¿colegiado¿ e não por Manuel Marulanda, seu líder histórico, que morreu em março.

Ele considera que há razões, pelo menos quatro, a serem consideradas no discurso de Chávez. A declaração do presidente venezuelano acalma os ânimos, num momento em que Piedad Córdoba ¿ sua parceira nas negociações ¿ ameaça processar a revista ¿Paris Match¿ por afirmar que ela teria aconselhado as Farc a não libertarem a ex-senadora Ingrid Betancourt. A segunda seria convencer Cano a fazer sua ¿estréia no comando¿ com um gesto de boa vontade, para reativar as negociações. A terceira, uma razão tático-militar: os EUA vão retirar sua base do Equador, e ela provavelmente será transferida para a Colômbia. E, finalmente, atrair um discurso latino-americano unificado sobre a negociação ¿ o que passa por um processo de reconhecimento ¿ mesmo que implícito ¿ do status de beligerância das Farc.

¿ Chávez sabe que se mais reféns forem soltos, aumentará a pressão de outros países sobre a Colômbia para negociar ¿ diz Árias.

Libertação poderia ser na próxima semana

Pedro Medellín, por outro lado, está otimista com os rumores de novas libertações. Professor de Ciências Políticas da Universidade Nacional da Colômbia, ele reconhece que a nova postura abre portas para Chávez no cenário internacional, mas acha que ele não daria a declaração se não contasse com resposta positiva das Farc.

¿ Interessa a Cano dar um sinal positivo não só para restabelecer os canais de comunicação, mas também para retomar o tema de acordo humanitário ¿ afirmou ao GLOBO.

O ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, disse esperar que a atitude de Chávez se traduza em fatos concretos. No Departamento de Estado dos EUA, os comentários foram bem recebidos.

¿ São boas palavras. E nós encorajamos a Venezuela que a essas palavras sigam-se ações concretas ¿ disse o porta-voz Sean McCormack.

Pérez afirmou que mais reféns serão soltos, sem explicar de onde vinha a informação. Em entrevista à rádio, disse que podem ser soltos o ex-governador de Meta Alan Jara; o ex-deputado Sigifredo López; e o ex-congressista Óscar Tulio Lizcano. Ele não descartou que um dos três americanos, seqüestrados em 2003, possam ser soltos. Segundo versões, Ingrid poderia ser incluída. Os americanos foram vistos recentemente por soldados no departamento de Guaviare, contou Santos, mas estes não se aproximaram para não arriscar a vida deles.

Ontem, ministro do Interior da Venezuela, Ramón Rodríguez Chacín reconheceu que um homem detido com munição para as Farc é membro do Exército de seu país. Mas afirmou que o homem foi enganado, caindo numa espécie de armadilha.

Com agências internacionais