Título: Limite da lei
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Fonte: O Globo, 11/06/2008, Opinião, p. 6

Opresidente Lula é conhecido por avançar sinais quando se deixa levar pelo improviso. Na sexta-feira da semana passada passou mais um no vermelho, em discurso no Planalto, numa das solenidades de assinatura de contratos de obras previstas pelo PAC, ocasião em que o presidente costuma usar timbres mais adequados a palanques eleitorais. E foi ao comentar os limites que muito acertadamente a legislação estabelece ao exercício do poder em período de campanha que Luiz Inácio Lula da Silva invadiu área sensível.

Como, a partir de julho, qualquer agente público está impedido de assinar contratos de obras, conceder promoções, etc., uma série de métodos clássicos de ajuda a aliados políticos, o presidente achou por bem aproveitar a oportunidade para considerar a lei contaminada de ¿falso moralismo¿, fruto do ¿lado podre da hipocrisia brasileira¿.

Grande e preocupante engano. Como respondeu no mesmo dia o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo, ¿não há falso moralismo na lei (9.504), especialmente no seu artigo 73, elaborado cuidadosamente com o propósito de coibir condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos.¿

O ponto-chave é este. Se não houvesse a moratória no ativismo governamental, candidatos de oposição enfrentariam uma desvantagem maior do que já padecem ¿, pois há sempre brechas pelas quais os grupos no poder conseguem ajudar seus aliados com dinheiro do contribuinte. Talvez por isso, o presidente tenha se referido à ¿hipocrisia¿. Mas existe a lei, e os deslizes têm de ser reprimidos, com as devidas punições.

Não é admissível que o chefe da nação faça críticas abertas a leis. Cabe-lhe cumpri-las. Caso discorde, envie ao Congresso projeto para revogá-las.

Nos tempos de baixa, os índices de popularidade do político não o tornam menor perante a lei, nem no apogeu lhe concedem poderes especiais, colocando-o sobre o próprio estado de direito.

Uma das mais graves distorções da vida pública brasileira é o patrimonialismo entranhado na cultura política, pelo qual os poderosos de ocasião manipulam os instrumentos de Estado com finalidades privadas. Contra isso existe a legislação que desagrada ao presidente.

Segunda-feira, o presidente promoveu uma reunião ministerial para discutir a participação de ministros na campanha. Estava presente o advogado-geral da União, José Antonio Tofolli, para tirar as dúvidas sobre o que é legal e ilegal. Melhor assim.