Título: VarigLog: de mãos chinesas para argentinas
Autor: Batista, Henrique Gomes ; Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 11/06/2008, Economia, p. 28

CAIXA-PRETA: Operação foi coordenada pelo fundo americano Matlin Patterson, sem aviso a autoridades do Brasil

Para se blindar na briga com sócios, Lap Chan transferiu ações no fim de 2007 para o milionário Santiago Born

Henrique Gomes Batista e Leila Suwwan

BRASÍLIA. Na surdina e sem conhecimento das autoridades brasileiras, a VarigLog chegou a ser transferida, ao menos no papel, a uma empresa controlada pelo milionário argentino Santiago Born, numa operação triangulada pelo fundo americano Matlin Patterson, principal investidor estrangeiro da companhia aérea. Em novembro de 2007, Lap Wai Chan, controlador do fundo, exerceu a opção de compra prevista em contrato de gaveta, conforme O GLOBO mostrou ontem, para remover os três sócios brasileiros da Volo do Brasil, controladora da VarigLog, e avisou estar comprando compulsoriamente suas ações. A manobra ocorreu quase dois anos depois de o grupo comprar a VarigLog e um ano e meio após adquirir a Varig.

Born e Chan já estiveram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto, levados pelo advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula.

Para transferir o controle da VarigLog, Chan utilizou a Voloex, subsidiária do fundo gerida por Born, herdeiro do grupo Bunge na Argentina. A operação foi pensada para blindar Chan na então iminente batalha societária com os brasileiros. Mas não deu certo, pois acabou derrubada quando o caso chegou à Justiça paulista. Born virou depositário fiel, na Suíça, de cerca de US$100 milhões da venda da Nova Varig pela Volo para a Gol.

Chan diz que não mentiu sobre contrato de gaveta

Segundo documentos obtidos pelo GLOBO, Chan fez uma operação casada. Em 1º de novembro de 2007, repassou à Voloex o direito de comprar a parte dos brasileiros - por US$428 mil cada, embora a participação societária de cada um fosse de R$2,199 milhões - na Volo do Brasil. O repasse a terceiros estava previsto no contrato de gaveta firmado com os três sócios brasileiros: Marco Antonio Audi, Luiz Eduardo Gallo e Marcos Michel Haftel. O documento, de 2 de fevereiro de 2006, foi sonegado à Anac, que em abril daquele ano pediu informações sobre todos os acordos societários.

Em entrevista ao "Jornal Nacional", Chan disse que não houve declaração à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) garantindo não existir um acordo de mudança de controle. Mas confirmou o contrato para transferir a participação dos brasileiros, dizendo que isso só ocorreria se não desrespeitasse a lei, que proíbe estrangeiros de terem mais de 20% de uma aérea.

No mesmo dia 1º , a Voloex, já detentora dos direitos previstos no contrato de gaveta, tenta executá-lo. Notifica os sócios, avisando-os que em 15 dias passará a ter todas as ações dos brasileiros, o que fere a legislação. O documento pede que os sócios informem os dados bancários para receber o valor das ações. Quem assina o comunicado é Born, que não quis falar com a reportagem, segundo o Matlin Patterson.

Toda a operação, segundo fontes envolvidas na transação, visava a blindar Chan, a Volo LLC e o Matlin Patterson, ao transferir o controle da VarigLog para terceiros, mas mantendo, ao mesmo tempo, a empresa sob controle do fundo americano. A Voloex não faria parte diretamente do fogo cruzado entre os sócios da Volo do Brasil. Já o exercício do direito de compra das ações dos brasileiros, segundo fontes da Volo LLC, foi uma resposta de Chan à tentativa dos brasileiros de ficarem com os recursos da venda da Nova Varig à Gol.

Segundo despacho do juiz da 17ª Vara Federal de São Paulo, José Paulo Magano, havia indícios de gestão temerária e abuso de poder. "Os autores-reconvidos (os brasileiros) preferiram dispor do dinheiro da sociedade em proveito próprio, inclusive para a aquisição de veículos e gastos pessoais, em detrimento da manutenção da sociedade, pagamento de salários e tributos", diz o juiz.

Operação pode ser anulada pela Anac

A Volo do Brasil - que desde janeiro de 2006 controlava a VarigLog - adquiriu, em 20 de julho do mesmo ano, a Nova Varig, a parte boa da empresa aérea, que estava à beira de falir. Para isso, o Matlin Patterson emprestou parte dos recursos aos sócios brasileiros. Segundo a assessoria de imprensa do fundo, os brasileiros se comprometeram a devolver a quantia financiada até 2011, ou quando a Nova Varig fosse vendida.

No dia 28 de março de 2007, a Nova Varig foi vendida para a Gol. Parte do valor recebido pela VarigLog - US$100 milhões -, segundo o fundo, foi remetido à Suíça pelos sócios brasileiros sem conhecimento do fundo de investimento. Os três sócios também não teriam pagado o empréstimo, segundo o fundo. Esse teria sido o estopim da crise, que foi parar na Justiça dos EUA e resultou até em bloqueio da conta suíça a pedido da Volo LLC e da Justiça Federal em São Paulo, que analisa o caso.

"A Volo LLC decidiu utilizar a opção de compra a que tinha direito para se resguardar, já que os sócios não cumpriram o acordo e não pagaram o empréstimo", disse a Volo LLC.

Segundo o fundo, a Voloex, mesmo gerida por um argentino e controlada pelo Matlin Patterson, era uma empresa brasileira e tinha em sua composição sócios brasileiros, com participação suficiente para cumprir a exigência do Código Brasileiro de Aeronáutica, que restringe a 20% a participação de estrangeiros nas aéreas.

Com as irregularidades constatadas na origem dos negócios, toda a venda da VarigLog para a Volo corre risco de ser anulada. Procurados, os sócios brasileiros e seus advogados também não quiseram falar.

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