Título: Repudio qualquer insinuação de pressão
Autor: Ribeiro, Erica ; Delmas, Maria Fernanda
Fonte: O Globo, 12/06/2008, Economia, p. 27
Juiz afirma que tomou decisão técnica de não repassar dívidas fiscais e trabalhistas a comprador da Varig
O juiz Luiz Roberto Ayoub, que conduziu o processo de recuperação judicial da Varig, afirma que não houve qualquer pressão do governo federal e que não admite politização do processo. Por isso não foi ontem ao Senado. Em entrevista ao GLOBO, concedida ao lado da juíza Márcia Cunha, que também acompanha o caso, Ayoub afirmou que tomou uma decisão técnica de não repassar as dívidas fiscais e trabalhistas ao comprador da Varig. Disse ainda que foi ele quem decidiu, em maio de 2005, manter com a Varig as freqüências de vôo, e não a ministra Dilma Rousseff. Ayoub também corroborou as afirmações do governo de que todo o processo da venda dos ativos da Varig foi decidido na Justiça. Quanto à autorização para se concretizar a venda da VarigLog à Volo, em junho de 2006, o juiz diz que a decisão e a responsabilidade são da Anac.
Erica Ribeiro e Maria Fernanda Delmas
Houve pressão para a Justiça tomar decisões na venda da Varig e da VarigLog?
LUIZ ROBERTO AYOUB: Não admito politizar processo judicial. Nenhum de nós se intimida, e qualquer pressão fica da porta do gabinete para fora. Em momento algum qualquer personagem de Executivo, Legislativo, tentou pressionar, até porque seria perda de tempo. Repudio qualquer insinuação de pressão. Todas as nossas decisões são técnicas, baseadas na lei. Foram três juízes nesse processo (além dos dois, Paulo Roberto Fragoso), já passaram vários promotores, e todas as decisões foram mantidas pelos tribunais superiores.
Tudo passou pela Justiça, como sustenta o governo?
AYOUB: Qual seria o outro caminho? O processo é judicial. Sobre tudo que foi falado, temos decisões para mostrar.
Não houve nem mesmo interferência política?
AYOUB: Temos independência e garantia institucional para decidir da melhor maneira. Podemos decidir certo ou errado. Mas politizar processo, de forma alguma. A Anac inicialmente não concordava com algumas posições. Entendia que questões pontuais não seriam de competência da Justiça estadual empresarial, mas os tribunais superiores entenderam que sim. Houve e sempre haverá discordâncias. Agora, pressões políticas, só se nós admitíssemos, e isso nenhum de nós permitiu.
Quem decidiu sobre slots?
AYOUB: Eu soube que a ministra Dilma foi acusada de impor que os slots (autorizações para pouso e decolagem) ficassem com a Varig. Em 11 de maio de 2005, fui eu que decidi isso, interpretei que eram um ativo da companhia, ou seria o mesmo que um corpo sem espírito. A Anac entendia inicialmente que hotrans (horários das rotas) e slots, se a empresa fosse levada a leilão, voltariam para a Anac. Estranhamente, a Anac não recorreu. Em momento algum nós criamos prazos (para que slots e hotrans em poder da Varig fossem licitados após o leilão). Determinamos que a Anac observasse os prazos dela, estabelecidos na resolução 569. Diz a resolução que quem arrematou teria, após receber a autorização, 30 dias e outros requisitos para usar as freqüências nacionais e 180 dias no caso dos vôos internacionais. O que eu disse é que, enquanto não se esgotassem os prazos regulatórios, a Anac não poderia disponibilizar os slots, como tentou fazer.
Cabia à Justiça checar se o controle da Volo (que comprara a VarigLog em janeiro de 2006, seis meses antes de adquirir a Varig) era brasileiro?
AYOUB: Agora surgem gavetas daqui e dali, e a gente não tem poder de mandar abrir as gavetas de todo mundo. O que interessa no Judiciário é o que está nos autos. O que nós fizemos foi submeter um ativo a leilão. E somente a VarigLog se habilitou. Depois do encerramento do leilão, compete à agência reguladora verificar e conceder a autorização para vôo. Não é competência do Poder Judiciário. A Anac aprovou a transferência (das ações da VarigLog para a Volo) em 23 de junho de 2006, em documento assinado pelos três diretores. Causa-me estranheza que a Anac tenha reconhecido a correção e dois anos depois questione.
MÁRCIA CUNHA: Digamos que alguém comprasse um táxi em leilão judicial. Se o dono vai poder dirigir o táxi no Rio ou só em São Paulo ou em lugar algum, quem vai dizer é o Poder Executivo. Se ele comprou o táxi e o Executivo não permite que ele explore por alguma razão, ele não pode devolver. É risco dele.
Há risco de anulação da venda da VarigLog?
MÁRCIA: A Anac pode revogar a autorização dada. Mas não pode anular a venda toda.
Por que tanta diferença entre o que a VarigLog pagou pela Varig e o preço pelo qual revendeu a empresa à Gol?
AYOUB: É mentira que foi comprada por US$24 milhões e vendida por US$320 milhões. Foi comprada e vendida por muito mais do que isso. O preço pago pela VarigLog era composto. Existiam os recursos que ela tinha aportado antes do leilão (US$20 milhões). Havia a obrigação de emitir R$100 milhões em debêntures para a velha Varig e assumir o programa Smiles, o que, se não me engano, significavam R$68 milhões. Também tinha de assumir obrigações de transportes a executar (honrar bilhetes vendidos), constando na época R$277 milhões. Dizem que foi revendida por um preço muito maior, como se fosse um crime. No dia do leilão, a empresa tinha dois aviões e um risco enorme de sucessão (herdar passivos fiscais e trabalhistas). Nove meses depois, tinha cerca de 20 aviões e havia recebido uma injeção de recursos, e a Gol também assumiu obrigações, como as debêntures. Já não havia tanto risco de sucessão, por uma decisão minha no momento do leilão, mas era uma decisão de um juiz de primeiro grau, ainda passível de recurso. O STJ depois disse que a competência é nossa para decidir sobre sucessão.
Mas não havia uma decisão da Procuradoria-Geral da Fazenda sobre sucessão?
AYOUB: Quanto a não haver sucessão fiscal. Eu entendi que não havia nenhuma sucessão, nem fiscal nem trabalhista. Se houve mudança de procurador (Manoel Brandão defendia a sucessão das dívidas e foi substituído por Luiz Adams, que emitiu o parecer garantindo a não-sucessão), eu não sei. Nunca estive vinculado a parecer.
O senhor foi à Procuradoria discutir o assunto...
AYOUB: Disseram que, quando eu estive com o procurador (Brandão), levei um monte de gente. Fui com o meu promotor. Havia pessoas da Casa Civil, da Anac, doutora Denise Abreu e doutor Milton Zuanazzi (então presidente da Anac). Saímos sem evolução.
Alguém da Anac ou da Casa Civil se manifestou?
AYOUB: Acho que ninguém entendeu nada. Ele (Brandão) emitiu sua opinião, e eu, a minha.
Nesse processo de recuperação da Varig, como era a participação da Anac?
AYOUB: Zuanazzi participava das audiências e sempre me dizia que, se houvesse risco de falência, que informasse a ele, para que fosse montando um plano de contingência. A Denise veio a três audiências.
Como o senhor vê a atuação do advogado Roberto Teixeira, da filha e do genro dele?
AYOUB: Sempre tive contato com eles. Comigo nunca ninguém foi truculento. Da história que ele abre portas, não tenho nada a dizer. Se tem tanto prestígio, por que foi tão difícil o processo?
O governo comemorou o desfecho do caso. É natural?
AYOUB: Acho que o governo percebeu que era preciso fazer algo. Ajudou? Não. Mas não atrapalhou. Ninguém pressionou.
Por que o senhor decidiu não ir depor hoje (ontem)?
AYOUB: Fui convidado, mas não iria acrescentar nada. Só posso responder por questões técnicas, não vou politizar nem permitir que politizem. Está tudo no processo. A Comissão de Infra-Estrutura do Senado pode vir analisar, vou convidar.
Denise disse que o senhor deveria ser chamado para depor, pois é o responsável pelo caos aéreo...
AYOUB: Eu teria que entender aquela cabeça para responder.
O caso Varig teria sido diferente se não fosse a lei de recuperação judicial?
AYOUB: Claro, estava quebrada, era falência na hora.
No que o caso Varig impulsionou a lei?
AYOUB: A Varig foi o primeiro grande caso e foi o teste. Se não desse certo, iriam atribuir a uma falta de qualidade da lei, a lei não pegaria. A lei fortalece o sistema de crédito do país. O princípio maior é o da manutenção da empresa, dos empregos, dos salários. Quebrar passou a ser a exceção. E se uma empresa falir, quem quebra é o empresário. O desenvolvimento da economia depende muito dessa lei. É importante sobretudo para pequenas e médias empresas, essas é que precisam de crédito. O melhor é que uma empresa pequena fosse o teste. A lei inclusive tem prazos curtíssimos, que são incompatíveis com o tamanho da Varig, o que nos motivou a tomar algumas decisões que vão contra o texto da lei. Por exemplo, um leilão teria de ter prazo mínimo de 15 dias, mas a empresa quebraria, então antecipei para cinco dias. Já paguei R$30 milhões ao Aerus (fundo de pensão da Varig) e tem 25% do crédito dos trabalhadores, que eu só não paguei porque o Ministério Público Federal entrou com recurso discordando dos critérios de rateio.
Qual foi o ponto mais importante da lei para a Varig?
AYOUB: A eliminação da sucessão fiscal e trabalhista. É preciso tirar os desavisados desse entendimento tacanho de que retirar a sucessão significa não pagar. Quando retira, valoriza o patrimônio que está vendendo e facilita a recuperação da empresa. Gera recursos para pagar. E a obrigação não desaparece. E se, no dia do leilão da Varig, todo mundo tivesse a cultura de que não há sucessão? Será que outros participariam? Pagariam os US$300 milhões? Fernando Pinto (ex-presidente da Varig e presidente da TAP, que tentou montar um consórcio com a Air Canada) desistiu às 4h no meu gabinete, pelo risco de sucessão.