Título: A sorte e a intervenção
Autor: Goldfajn, Ilan
Fonte: O Globo, 17/06/2008, Opinião, p. 7

Mal sabia ele que, poucos anos e muitas descobertas depois, os "poços" da Petrobras teriam tamanha relevância. Refiro-me a Severino Cavalcanti, presidente da Câmara, em 2005, e sua memorável frase: "O que o presidente me ofereceu foi a diretoria que fura poço. É essa que eu quero!" Cobrava indicações políticas. Com a mesma naturalidade que, recentemente, o ministro do Trabalho - favor não confundir com o de Minas e Energia - antecipou descobertas fora de sua competência. A Petrobras teve que emitir notas confirmando. Todo dia saem notícias sobre novos impostos, royalties e fundos para a utilização dos recursos futuros. E não é só petróleo. Fala-se em novos impostos à mineração. Perigo: o que se extrai do solo pode se esvair na terra. Vai ser fundamental saber administrar e colocar os incentivos corretos para que a abundância não vire escassez.

Há sinais de maior intervenção política nas decisões privadas, e não me refiro aqui apenas ao caso noticiado da venda da Varig. A recente criação da supertele com a compra da Brasil Telecom pela Oi, viabilizada pelo governo, não deve beneficiar o consumidor. O objetivo político é criar uma grande empresa brasileira (para quê, mesmo?). O próximo passo parece ser a criação da superfarmacêutica, com os mesmos objetivos políticos. Nos últimos anos, a ingerência política nas agências reguladoras é crescente.

Com a descoberta do petróleo nos novos campos e o aumento vertiginoso do seu preço, o voluntarismo político parece ter crescido. Não é só que há uma profusão de idéias de como abocanhar uma parcela maior das descobertas através de mais impostos, royalties e fundos específicos. Mas, crescentemente, ignora-se que a Petrobras é uma empresa que tem ações na bolsa e sócios em vários projetos. A princípio, o que une os interesses da Petrobras, seus acionistas e sócios é a busca da eficiência e do menor custo. Explorar o petróleo nas camadas profundas do litoral brasileiro vai exigir muito planejamento, investimento e tecnologia de ponta. Fazê-lo ao menor custo é um bem para o país.

Em artigo de 10 de junho, no jornal "Valor Econômico", a jornalista Cláudia Schüffner revela o desejo do governo, através da ministra-chefe da Casa Civil, de que as encomendas de plataformas semi-submersíveis e navios-sonda sejam feitas no país, mesmo a um custo muito maior e com o risco de atrasar a exploração. Apenas quando o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) admitiu, relutantemente, que não teria condições de atender no prazo desejado as primeiras 12 encomendas, o governo resignou-se a permitir que a Petrobras cumpra o seu papel, ou seja, zele pela forma mais barata de explorar o petróleo. Mas só em relação às primeiras unidades. As outras 28, do total de 40, terão que ser feitas no Brasil, a custo maior e qualidade ainda a se verificar. A idéia é incentivar (artificialmente) as indústrias nacionais. Esse caso me lembra a Lei de Informática, quando se tentou, à base de limitações e proibições, alcançar uma tecnologia de ponta. Deu no que todos vivenciaram: anos de atraso até a suspensão do programa.

E não é só no petróleo. Segundo notícias veiculadas neste fim de semana, o governo quer propor um novo marco regulatório no setor de mineração e aumentar os impostos sobre a exploração de minerais. É a reação política ao aumento de preços no mercado internacional. Não bastaria ao país mais emprego e renda como resultado desses aumentos de preços. Há o desejo de aumentar os impostos (e elevar a carga tributária ainda mais).

A ideologia centralizadora e intervencionista tem riscos claros. Há a crença de que a mão firme e a decisão por poucos no governo possam levar a resultados mais satisfatórios do que aqueles que viriam naturalmente das decisões dos especialistas em cada uma das áreas da economia. Mas o dirigismo na economia é campo fértil para exploração política das decisões por aqueles que sempre estão atrás das "rendas" do Estado, daqueles ganhos que advêm da detenção de privilégios, dados pelo jogo do poder e permitidos pelo subdesenvolvimento das regras de proteção ao coletivo.

ILAN GOLDFAJN é professor da PUC. E-mail: goldfajn@econ.puc-rio.br.