Título: A imprensa só é boa porque tem liberdade
Autor:
Fonte: O Globo, 17/06/2008, O País, p. 8
Entrevista - Marco Antonio Villa
Historiador diz que representação por entrevista com Marta Suplicy significa grave ameaça à democracia
Para o historiador Marco Antonio Villa, se a Justiça acolher a representação do Ministério Público Eleitoral que classifica como propaganda eleitoral uma entrevista da ex-ministra Marta Suplicy concedida à "Folha de S.Paulo" no início deste mês, será um sinal de que "acabou a liberdade de imprensa" no país. Leitor dos principais jornais brasileiros, além dos regionais do Nordeste, Villa avalia que a imprensa "não precisa de tutela" e que tampouco os leitores brasileiros dariam uma chancela à imprensa sem leitura crítica.
Professor de história da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), autor do livro "Jango, um perfil (1945-1964)" e das coleções de história do Instituto Teotônio Vilela (1999-2001), Marco Antonio Villa disse ao GLOBO acreditar que a representação movida contra a "Folha" não deverá ser julgada procedente pela Justiça. Marta é pré-candidata a prefeita, e o Ministério Público Eleitoral quer punir o jornal por entrevistá-la antes da abertura oficial da campanha.
Tatiana Farah
Qual a sua opinião sobre a representação movida contra a "Folha"?
MARCO ANTONIO VILLA: É um verdadeiro absurdo. É bater de frente com a liberdade de imprensa e com o direito do cidadão de ser devidamente informado em relação a sua opção para uma possível candidatura à prefeitura, ao governo do estado, à Presidência da República. Se começar a fazer limitações em relação a isso, o perigo é, se isso virar jurisprudência, em 2010 a imprensa passar a ter um papel extremamente limitado, o que é danoso para a democracia.
A imprensa brasileira tem sido vítima de tentativa de censura de vários setores. De um setor religioso, e agora essa representação eleitoral. Isso acontece por ser um momento especial ou acontece o tempo todo?
VILLA: Isso foi uma coincidência. Especialmente porque é um ano eleitoral. As representações acabam tendo uma vinculação direta ou indireta com o processo eleitoral. Isso vai virar uma prática em anos pares. Por isso é importantíssimo um posicionamento radicalmente contrário em relação à punição. Porque pode abrir um precedente perigosíssimo. Daqui a pouco, a imprensa vai pautar suas matérias pedindo autorização ao Ministério Público, né? O direito à liberdade de imprensa está garantido na Constituição, que completa agora 20 anos. Ela (a Constituição) tem muitos defeitos, mas muitas qualidades. E uma das qualidades é justamente a garantia das amplas liberdades.
O senhor é um leitor assíduo de jornais...
VILLA: Eu leio todos. Desde pequenino. Sou tão fanático que, logo depois de aprender a ler, já estava lendo jornal. E devo minha formação, em grande parte, às leituras de jornais e revistas. Eu me lembro de reportagens de 40 anos atrás. Uso como fonte histórica, no meu trabalho. Leio os principais jornais e alguns do Nordeste, além do "El País".
Em sua opinião, os jornais que o senhor lê, de uma maneira geral, precisam desse tipo de tutela do Ministério Público?
VILLA:Acho que o Ministério Público tem muita coisa com o que se preocupar, coisas extremamente relevantes, que ocorrem no país. Com o que ele não deve se preocupar é justamente a imprensa. Uma das boas coisas que o país tem é a imprensa. E só é boa porque tem liberdade. Com censura, com repressão, não tem como fazer uma boa imprensa. Causa profunda estranheza essa preocupação do Ministério Público, quando há coisas profundamente lesivas, como lesões ao erário público, aos direitos humanos.
Nesse caso foi o Ministério Público Eleitoral...
VILLA: No caso do eleitoral, tem coisas graves que envolvem as eleições. Uma coisa que chama a atenção é a apresentação das contas dos candidatos. Acho que foi o presidente do TRE em São Paulo que recentemente deu uma entrevista dizendo que não acredita naquelas prestações de contas. E uma das razões da corrupção no Brasil é a existência dos caixas dois, que financiam as campanhas eleitorais. Então, acho que, se o Ministério Público estivesse mais preocupado com isso, seria extremamente mais relevante para o país do que estar preocupado com censurar a imprensa.
O senhor avalia que o leitor brasileiro não tem senso crítico?
VILLA: Ainda não é o ideal, mas há um senso crítico por parte dos leitores, mesmo daqueles que lêem rapidamente a notícia na banca de jornal. Hoje você tem uma visão crítica em relação a isso. Achar que o leitor está simplesmente passando uma chancela em qualquer coisa que lê, sem ter a mínima criticidade, não me parece verdadeiro.
Estamos nesta fase pré-eleitoral em que ninguém é candidato de fato, mas qualquer político, dentro das especificações do TSE, pode ser. Se seguirmos com rigor a representação do Ministério Público, quem poderá ser entrevistado, afinal?
VILLA: Criou-se uma situação esdrúxula. Essa representação não tem pé nem cabeça. E parece que foi feita sem pensar no reflexo que isso vai ter não só no cotidiano da vida do repórter como, principalmente, sobre a liberdade do cidadão. Há coisas que só acontecem no Brasil. Certamente essa medida deve ser rejeitada pela Justiça.
E se passar na Justiça, se for acolhida pela Justiça Eleitoral?
VILLA: Daí acabou a liberdade de imprensa. As sedes dos jornais deveriam ser transferidas para o Tribunal Regional Eleitoral ou para o Ministério Público que cuida disso. E eles passariam a fazer os jornais.