Título: Morro, de luto, retira a bandeira do Brasil
Autor: Costa, Ana Cláudia
Fonte: O Globo, 17/06/2008, Rio, p. 15
A GUERRA DO RIO: Em clima de tensão, Exército e polícia vigiam acessos a favela. Militares são insultados
Hospital cancela consultas, Restaurante Popular recebe ameaça de bomba, ônibus são desviados e camelódromo fecha
Ana Cláudia Costa
Os arredores do Morro da Providência amanheceram ontem com faixas pretas em sinal de luto pela morte dos três rapazes que foram levados do morro na manhã de sábado por integrantes do Exército. Os três foram entregues a traficantes do Morro da Mineira e apareceram ontem mortos em Duque de Caxias. A bandeira do Brasil, hasteada no alto do morro pelo Exército, foi retirada. Moradores disseram que iam colocar no local uma bandeira preta, como forma de protesto e de luto pela morte dos rapazes, o que não tinha acontecido até o fim da tarde de ontem.
Devido aos protestos feitos durante todo o fim de semana, nos acessos do morro, a direção do Hospital dos Servidores do Estado optou por cancelar todas as consultas agendadas para ontem. O hospital ficou fechado. Somente cirurgias foram realizadas. Na Rua Sacadura Cabral, onde fica o hospital, o comércio também não abriu as portas. O Restaurante Popular, na Central, fechou as portas mais cedo. Houve uma denúncia de que uma bomba explodiria no prédio, que foi vasculhado pela polícia, mas nada foi encontrado.
Somente no sábado, 20 ônibus depredados
Durante todo o dia de ontem, seis linhas de ônibus da Viação Real Auto Ônibus também deixaram de circular pelo viaduto São Sebastião com medo de depredações. Os ônibus foram desviados para a Avenida Rodrigues Alves. Segundo o inspetor de linhas da empresa Reinaldo Delmiro, somente no sábado, 20 ônibus foram depredados por manifestantes nos arredores do Morro da Providência. A medida tomada, segundo ele, visava a proteger passageiros dos ônibus e funcionários da empresa.
Com o clima de tensão instaurado no Morro da Providência desde a manhã de sábado, até o camelódromo da Central do Brasil optou por fechar. O comércio informal abriu as portas ontem normalmente, mas, por volta das 12h, por medida de precaução, já que havia boatos de que moradores da Providência fariam novo protesto, os comerciantes do camelódromo resolveram baixar as portas.
Na manhã de ontem, antes mesmo que ônibus cedidos para levar integrantes da comunidade para o enterro dos jovens no Cemitério São João Batista, em Botafogo, chegassem à comunidade, moradores se aglomeravam próximo à Associação de Moradores, na Estrada da Gamboa. Alguns chegaram a insultar integrantes do Exército que faziam o patrulhamento em uma rampa próxima à associação.
O patrulhamento foi reforçado em todo o morro. De acordo com o comandante do 1º Comando de Patrulhamento de Área, coronel Marcus Jardim, cerca de 150 policiais militares, do Batalhão de Choque, do 5º BPM (Praça da Harmonia ) e do 1º BPM (Estácio), reforçaram o policiamento no local para evitar manifestações. Equipes do Exército também permaneceram nos acessos do morro próximo à associação de moradores.
Parente diz que equipes de militares estão despreparadas
De acordo com um parente de um militar do Exército destacado para o patrulhamento no Morro da Providência, as equipes que fazem plantão no local são pequenas e despreparadas. Preocupado porque ele não voltou para casa desde sábado, esse parente disse que o militar certa vez lhe contou que há acordo entre o Exército e o tráfico de drogas para que as equipes permaneçam no local.
- Todos lá sabem que essa é uma ocupação eleitoreira. Os jovens do Exército não estão preparados para ficar lá e existe, sim, acordo com o tráfico e, lá, ninguém mexe com ninguém - disse.
COLABOROU Elenilce Bottari