Título: Não adianta só ter mais recursos
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 13/06/2008, O País, p. 3
MAIS UM IMPOSTO
Estudo do Banco Mundial mostra que Brasil gasta mal as verbas destinadas à saúde
Tatiana Farah
Osetor de saúde no Brasil gasta mal, desperdiça e é mal gerido. Especialistas do Banco Mundial (Bird), que fizeram amplo estudo sobre a rede hospitalar brasileira, reprovaram tanto unidades públicas como privadas. O relatório "Desempenho hospitalar brasileiro", lançado ontem em São Paulo, mostra que o sistema no país é ineficiente e encarece os custos hospitalares. Após cinco anos de estudos, os pesquisadores Gerard La Forgia e Bernard Couttolenc apresentaram o "escore de eficiência" dos hospitais: de uma escala de 0 a 1, a nota no Brasil é um amargo 0,34. Eles defenderam uma reforma profunda no modelo atual.
- Não adianta apenas ter recursos a mais. É preciso gastar bem o dinheiro - disse o professor Couttolenc, um dos autores do relatório, referindo-se à Contribuição Social para a Saúde (CSS), a nova CPMF aprovada na véspera pela Câmara.
A pesquisa revela que 52% dos hospitais fora de São Paulo não têm critérios sobre diagnósticos para controle de vigilância contra infecção ou perderam os dados sobre isso.
- No sistema brasileiro de saúde, o centro do universo são os hospitais. É a maior fonte de gastos do sistema, mas há pouca informação sobre gastos e desempenho. São serviços muito caros e que nem sempre contribuem para a boa saúde da população - diz Gerard La Forgia, o principal especialista em saúde do Bird.
A transformação do hospital nesse centro nervoso da saúde causa um desperdício de dinheiro porque o cidadão acada sendo atendido em um equipamento público ou privado de alta complexidade quando, na verdade, precisaria apenas de um procedimento médico simples. Dos R$196 bilhões gastos em saúde em 2006, 67% foram para os hospitais. A média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 55%. Desse total, cerca de 30%, ou R$10 bilhões, foram gastos em internações que não requeriam cuidados hospitalares.
"É um problema sistêmico hoje"
Para La Forgia, há importantes observações que podem resumir seus cinco anos de pesquisa no sistema hospitalar brasileiro:
- Os hospitais são muito caros e ineficientes. É um problema sistêmico, não unicamente do SUS. A maioria dos hospitais é ineficiente em escala e produtividade. Poderia fazer muito mais com os recursos de que dispõe. Os modelos de governança, seja público ou privado, que têm mais autonomia, com responsabilização dos gestores, são melhores em termos de desempenho que os demais. Os contratos e sistemas de pagamento feitos com o hospital fazem pouca pressão para vincular os quesitos de qualidade, desempenho e produção.
Os dados do estudo serão encaminhados aos gestores dos hospitais brasileiros e ao Ministério da Saúde.
Os pesquisadores apontaram que a taxa de ocupação de leitos dos hospitais brasileiros é de 37%.
- Esse índice é um levantamento do próprio Ministério da Saúde, mas é feito no dia 31 de dezembro de cada ano - disse Couttolenc, destacando que, com isso, pode haver distorções: - Se pensarmos de forma simplista, teríamos uma taxa de ociosidade de 60%. Mas nem todos esses leitos têm de ser fechados. É preciso haver uma política de racionalização, porque muitos não estão em condições de serem ocupados. Em muitos casos, não há nem médicos para o atendimento do hospital - ponderou.
No escore de eficiência, de acordo com os especialistas, quanto maior o hospital brasileiro, mais ele obteve boa pontuação. Os hospitais que obtiveram nota superior a 0,45 têm mais que 250 leitos. Os que têm 99 leitos ficaram abaixo de 0,35. Do total da rede nacional, foram testados 488 hospitais. Segundo o especialista Couttolenc, os nomes das instituições não foram divulgados. Foram usados dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e os hospitais foram identificados apenas por números.
Dos 7.426 hospitais brasileiros, apenas 56 têm selo de qualidade. Desses, 43 estão no Sudeste, oito no Sul, dois no Centro-Oeste e três no Nordeste. Na Região Norte, não há um único hospital com certificação de qualidade. Segundo o Bird, o Brasil tem o melhor marco regulatório da América Latina para o licenciamento de um hospital. No entanto, os hospitais não cumprem a legislação. A diferença entre um hospital certificado e outro sem certificação é gritante e pode ser mortal para o paciente: a mortalidade cirúrgica chega a ser três vezes maior em um hospital sem selo de qualidade do Ministério da Saúde.
O diretor de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Alberto Beltrame, atribuiu o resultado apontado pelo relatório do Banco Mundial ao desempenho ruim dos hospitais pequenos do país. Beltrame afirmou que 60% dos 7.426 hospitais do país contam com, no máximo, 50 leitos.
- Esses hospitais têm mais dificuldade que os de médio e grande porte e puxam a avaliação para baixo - disse Beltrame.
Segundo o diretor, esses hospitais têm um custo muito alto para os serviços que são capazes de oferecer. Beltrame explicou que há muita ociosidade nessas unidades e que a taxa de ocupação é muito baixa.
- São hospitais que não apresentam resultados. Acabam sendo hospitais onde o paciente passa o dia. Talvez nem é necessário interná-lo.
Alberto Beltrame disse que, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), houve uma preocupação do Estado em ampliar a oferta de serviços para a população e o enfoque agora é a qualidade desse atendimento.