Título: Exército dava segurança a projeto de Crivella
Autor: Gares, Débora ; Lima, Ludmilla de
Fonte: O Globo, 16/06/2008, O Globo, p. 11

A GUERRA DO RIO: Secretário estadual de Segurança já fizera críticas à iniciativa ao depor em comissão da Câmara

Ministro das Cidades não soube explicar ocupação do morro por soldados, já que obra está a cargo de empresa privada

Débora Gares, Ludmilla de Lima e Zean Bravo

A presença de soldados do Exército no Morro da Providência era justificada como uma forma de dar segurança aos trabalhadores do projeto Cimento Social, fruto de emenda do senador Marcelo Crivella (PRB), do mesmo partido do vice-presidente José Alencar, que já ocupou o cargo de Ministro da Defesa no primeiro governo do presidente Lula. O projeto consiste na reforma de 780 casas e recebeu R$12 milhões do Ministério das Cidades.

Ontem, o ministro das Cidades, Márcio Fortes, explicou que a obra foi licitada pelo Exército, que se dispôs a levar adiante o projeto do senador. Fortes não soube explicar a ocupação da comunidade por soldados, já que uma empresa privada executa os trabalhos.

A dúvida é a mesma do deputado federal Fernando Gabeira (PV), que integra a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara. Ele promete pedir ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, ou ao comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, que compareça à Casa para dar explicações:

- Quero que o ministro ou o comandante do Exército explique essa mudança na política de ocupação dos morros. Ele tem que esclarecer essa exceção que está dando proteção a uma emenda de um político.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, deputado Alessandro Molon (PT), também questionou a política do Exército e disse que o grupo acompanhará a apuração do caso. Crivella, Gabeira e Molon são pré-candidatos à prefeitura do Rio. Jandira Feghalli, também pré-candidata pelo PCdoB, classificou o projeto de eleitoreiro, e a pré-candidata do DEM, deputada federal Solange Amaral disse que o Exército está sendo usado politicamente.

No dia 27 de maio passado, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, atacou duramente o projeto na Comissão de Segurança da Câmara. Ele questionou o objetivo da obra e a presença do Exército na favela. Também falou sobre denúncias de envolvimento direto da Igreja Universal no projeto.

O caso de anteontem aconteceu um dia após o ministro Jobim declarar que pretende enviar ao Congresso, até o fim do ano, um projeto criando um estatuto jurídico próprio, para que as Forças Armadas possam atuar em conflitos urbanos. Sobre os objetivos do Exército na Providência, o Comando Militar do Leste informou ontem que os militares fazem o gerenciamento do projeto e protegem o canteiro de obras utilizado na reformas das casas.

"Essa nova modalidade é aterradora"

Especialistas criticam procedimentos

Segundo especialistas na área de violência urbana, a suposta participação de integrantes do Exército na entrega de jovens do Morro da Providência a traficantes do Morro da Mineira, de facção rival, mostra um agravamento da corrupção em instituições de defesa civil.

- Essa prática é conhecida na parte bandida da Polícia Militar, mas é ainda mais grave saber que integrantes do Exército também estão envolvidos - diz Silvia Ramos, representante do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.

- É absurdo o uso do passaporte de membro das Forças Armadas na delinqüência. Essa nova modalidade é aterradora - diz Elizabeth Sussekind, ex-secretária nacional de Justiça e professora de criminologia da PUC-RJ.

Para o coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, os militares erraram também ao levar os jovens para o quartel:

- Em hipótese alguma eles poderiam ter feito isso. Se houve um flagrante, os soldados, como qualquer outro cidadão, deveriam ter levado os rapazes e as testemunhas para a delegacia.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Wadih Damous, também questionou a postura do Exército.

- Uma das mães disse que viu o filho machucado no quartel. O comportamento do Exército no esclarecimento do caso deixa a desejar.

Para o deputado estadual Marcelo Freixo, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio (Alerj), o caso mostra uma forte articulação entre traficantes e o poder público:

- Se for verdade, essa situação é muito grave, porque mostra uma prática de corrupção muito estruturada em diversos níveis sociais, chegando ao Exército.

Segundo Maurício Campos, representante da Rede de Comunidades e de Movimentos Contra a Violência, a prática de atos violentos por soldados contra moradores do Morro da Providência não é novidade:

- Em outras ocasiões, houve invasão de domicílios, ofensas, destruição injustificada de caixas d"água, espancamentos e até mortes, que os moradores não quiseram denunciar.