Título: Às portas da anulação
Autor: Suwwan, Leila; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 13/06/2008, Economia, p. 27

CAIXA-PRETA

Parecer levado por Denise revela que Anac teria de cancelar venda da VarigLog, em caso de fraude

Leila Suwwan e Henrique Gomes Batista

Avenda da VarigLog para a Volo do Brasil - negócio realizado em 2006 para viabilizar o leilão da Varig - nunca esteve tão ameaçada. Conforme documentos levados ao Senado pela ex-diretora Denise Abreu anteontem, a diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) decidiu que revogaria a decisão caso surgisse comprovação da suspeita de que estrangeiros controlariam mais de 20% do capital da VarigLog, o que é vetado por lei. Não há notícia de que a Anac descobriu as irregularidades. O GLOBO, porém, revelou nesta semana o contrato de gaveta fechado em 2 de fevereiro de 2006. Por esse documento, os três sócios brasileiros da Volo do Brasil seriam obrigados a vender suas ações, ao preço de US$428 mil cada, aos sócios estrangeiros - no caso, a Volo LLC, do fundo americano Matlin Patterson. Ou seja, com controle maior de estrangeiros que o permitido por lei.

A anulação pela Anac não foi posta em prática porque a agência nunca conseguiu essas provas, apesar da forte desconfiança que pairava entre os diretores. Eles chegaram a iniciar uma nova investigação sobre o tema em 2007, pouco antes de a Gol comprar a Varig. O contrato de gaveta nunca foi apresentado à Anac, apesar de ter sido expressamente solicitado em abril de 2008. E, como agravante, a Volo do Brasil apresentou uma declaração de que não existiam acordos ou contratos que pudessem afetar a composição do capital votante da empresa. A agência confirma a existência dessa declaração. Esta semana, em entrevista à imprensa, o chinês Lap Chan, do Matlin Patterson, admite que o contrato de gaveta existiu.

Atual diretoria diz que texto ainda vale

A diretoria atual da Anac informa que irá analisar a questão se receber oficialmente o "contrato de gaveta", usado em novembro de 2007 pelos sócios americanos após uma briga pelo controle da VarigLog, que foi parar na Justiça Federal de São Paulo. Sobre as decisões já tomadas a favor da possibilidade de anulação da venda da VarigLog com o surgimento de provas, a agência diz que os atos da antiga diretoria continuam em vigor.

Segundo os novos documentos sobre o caso, a decisão pela anulação, se comprovada a maior participação dos estrangeiros, está firmada desde 29 de agosto de 2006, dois meses depois da aprovação do negócio de venda da VarigLog, quando o então novo diretor Josef Barat emitiu parecer, referendado pelos demais quatro diretores.

Em dezembro de 2006, com suporte adicional de novo parecer jurídico do ex-procurador João Ilídio, a diretoria decidiu em reunião oficial que era necessário realizar diligências sobre a composição acionária para tomar "as providências cabíveis". Em fevereiro de 2007, Denise Abreu se encarregou de oficiar ao Banco Central, à Receita Federal e ao Ministério do Desenvolvimento.

Os sócios americanos são representados pelo advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Denise Abreu acusa o Planalto de interferir indevidamente - por meio da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) - na Anac para apressar e garantir a venda da VarigLog à Volo do Brasil. Esse negócio foi colocado como condição pelos estrangeiros para a compra da Varig, segundo o ex-presidente da Anac Milton Zuanazzi. Estes sócios, posteriormente, celebraram com o próprio presidente, no Palácio do Planalto, a venda da Varig para a Gol em 2007.

A antiga diretoria entrou novamente no assunto do capital da VarigLog, apesar da turbulenta e rápida aprovação da venda em 23 de junho, por provocação do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (Snea). Na época, o grupo já fazia acusações sobre a participação de capital estrangeiro acima do limite legal. À época, o sindicato era comandado pelo presidente da TAM, uma das interessadas em herdar a fatia de mercado da Varig.

O Snea chegou a pedir vistas do processo na tarde do dia 23. Recebeu cópia dos documentos naquela noite, mas era tarde demais para mudar a decisão dos diretores, que foi formalizada em reunião extra às 22h no Ministério da Defesa. O sindicato, porém, apresentou representação contra a Volo do Brasil, já dona da VarigLog.

Voto de Barat foi seguido por todos

Em seu relatório, ele manteve a decisão da diretoria, mas fez fortes ressalvas sobre a acusação da ilegalidade na sociedade da Volo do Brasil: "Se restar evidenciado que, em decorrência da participação do capital estrangeiro superior ao permitido em lei, a transferência não era possível, a decisão das folhas 950 (aprovação da venda pela diretoria) será passível de revogação, de acordo com o artigo 53 da Lei 9.784-99".

"É necessário o Snea compartilhar com esta agência eventual conhecimento de fatos que possam contribuir para o esclarecimento da real composição do capital da Volo do Brasil S/A, por se tratar de matéria da mais alta relevância e de interesse público", concluiu Barat, em voto que foi acompanhado pelos demais diretores: Milton Zuanazzi, Denise Abreu, Jorge Velozo e Leur Lomanto.

A lei citada estabelece que "a Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos".

O então procurador-geral da Anac João Ilídio ajudou a embasar o relatório de Barat com argumento de que a aprovação da venda da VarigLog seria mantida até que fossem concluídas as diligências sobre a questão do capital.

"É nosso entendimento que a diretoria colegiada desta agência, no exercício de seu poder-dever de verificação do poder de controle, direto ou indireto, por brasileiros ou estrangeiros, da Volo do Brasil S/A (...) deve adotar as providências acima recomendadas", diz o parecer jurídico de Ilídio.