Título: Dilma interferiu em pedágio, diz documento
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 16/06/2008, Economia, p. 20
Segundo memorando de diretor da ANTT, reajuste de concessionária no Sul foi revisto para baixo após passar por Casa Civil
Gustavo Paul
BRASÍLIA. A interferência da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, adiou por pelo menos dois meses a aprovação do reajuste do pedágio da concessionária Ecosul, segundo documento de um diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), obtido pelo GLOBO. A malha tem cinco trechos, entre os quais a BR-392, entre Pelotas e Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Mesmo tendo sido aprovados em fevereiro, por unanimidade, pelos diretores da ANTT, os novos valores - já atrasados, pois o reajuste deveria ter sido aplicado em janeiro - acabaram sendo revistos para baixo em abril, depois de passarem pela Casa Civil. A revelação consta de um memorando interno da ANTT, de 8 de abril deste ano.
É a primeira vez que a atuação direta da Casa Civil em assuntos pertinentes aos órgãos reguladores é revelada em um documento oficial. Há quase duas semanas, a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu acusou Dilma de pressionar o órgão regulador para aprovar a venda da Varig e da VarigLog, mas não apresentou provas.
A ata da 308ª reunião da diretoria da ANTT registra que o diretor Francisco de Oliveira Filho estava preocupado com o andamento do reajuste do pedágio, que deveria ter entrado em vigor em 1º de janeiro. A medida havia sido aprovada por toda a diretoria da agência em 12 de fevereiro, mas, até 8 de abril, não havia sido publicada oficialmente. Oliveira Filho entregou aos demais diretores o memorando com as queixas.
Ministra considera o valor cobrado alto demais
Esse texto, mantido sob sigilo pela agência, mostra o incômodo do diretor com a demora na concessão do aumento. Ele deixa claro que o atraso se deve ao fato de o assunto ter sido submetido indevidamente à Casa Civil. "Sabemos que toda a problemática teve início, após aprovação unânime do assunto pela Diretoria, quando o diretor Wagner de Carvalho Garcia levou o processo à apreciação informal da Ministra Chefe da Casa Civil da Presidência da República, Dilma Vana Rousseff", diz o diretor no memorando.
A ministra não foi localizada para comentar o assunto. A insatisfação de Dilma com o contrato de concessão da Ecosul é antiga. Ela nunca escondeu que não concordava com os termos do contrato assinado inicialmente pelo governo gaúcho, em 1997, e transferido depois para o governo federal. Segundo a ministra, o pedágio cobrado ali é um dos mais altos do país.
A polêmica em torno da concessão e do valor do pedágio de 2008 da Ecosul está relacionada às obras de duplicação da BR-392, que consta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Em abril, ao visitar o Rio Grande do Sul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez duras críticas ao contrato, chamando-o de perverso. Se essas obras - que não constam como obrigação da concessionária no contrato - forem incorporadas aos compromissos da Ecosul, a concessionária calcula um aumento de 21% nas tarifas. O governo estuda financiar a obra, repassando para a Ecosul a obrigação de conservar a estrada.
A diretoria da ANTT não quis se pronunciar sobre o memorando, nem o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, também citado pelo diretor da agência. O memorando do diretor, indicado ao cargo pelo PMDB de Minas Gerais, registra que, entre a aprovação do aumento, em 12 de fevereiro, e 8 de abril, o tema ficou parado, sendo discutido informalmente fora da agência: "Posteriormente, e até o momento, sabemos de inúmeras reuniões ocorridas, porém todas fora do mundo oficial do Processo de Reajuste e Revisão do Contrato 013/00- MT, onde se tem obstruído a implementação do reajuste".
Aumento final foi menor que o autorizado pela agência
A preocupação do diretor da agência era com as conseqüências da demora na concessão do reajuste, garantido por contrato. Pela legislação, os diretores das agências podem responder judicialmente por perdas e danos e lucro cessante motivados por questões regulatórias, caso sejam questionados pelas concessionárias. Oliveira Filho expõe essa preocupação: "Sirvo-me do presente para manifestar minha discordância de como o processo vem sendo conduzido, podendo trazer conseqüências pessoas a esta Diretoria, que não podemos mensurar".
O aumento médio dos pedágios, autorizado no mesmo dia 8 de abril, foi de 5,08%, percentual inferior ao deliberado 56 dias antes. Nessa segunda versão, excluiu-se um aumento extra de cerca de dois pontos percentuais destinada ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, acertado formalmente entre a ANTT e a Ecosul anos antes. Esse aumento adicional, concedido no reajuste de 2007, regulariza paulatinamente o valor da tarifa, depois de anos de subsídio na cobrança do pedágio de grandes caminhões.
Em fevereiro, uma resolução autorizando o aumento foi assinada por toda a diretoria, e os valores foram publicados na página da agência na internet. Pouco depois, porém, o texto foi retirado, e o assunto voltou à discussão.
Ex-funcionários da antiga Varig fazem manifestação
Empresa espera por indenização
Ex-funcionários da Varig e aposentados do fundo de pensão Aerus fizeram passeata ontem em Ipanema, para sensibilizar o governo e a população para a situação da antiga Varig, empresa em recuperação judicial, que espera pelo pagamento de cerca de R$3 bilhões do governo. O valor é referente a uma ação sobre o congelamento de tarifas na época do Plano Cruzado, que tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Algumas centenas de pessoas vestidas com uniformes da companhia e carregando faixas e cartazes estiveram presentes ao ato. De acordo com os organizadores - associações de funcionários -, cerca de mil pessoas participaram do ato.
A manifestação não teve ligação direta com as denúncias feitas pela ex-diretora da Anac Denise Abreu, de irregularidades na venda da Varig e da VarigLog para o fundo americano Matlin Patterson e a Volo do Brasil.
Em 17 de julho, termina o prazo para cumprimento de algumas exigências do plano de recuperação judicial da antiga Varig - a parte que não foi vendida. Entre elas, proteções previstas pela lei que impediam pedidos de falência contra a companhia. Se os credores considerarem que as exigências do plano não foram cumpridas no tempo previsto, poderão solicitar a prorrogação do prazo de proteção à Justiça.