Título: Projeto abre arquivo secreto
Autor: Luiz, Edson; Pereira, Daniel
Fonte: Correio Braziliense, 14/05/2009, Política, p. 7

Texto enviado ao Congresso libera acesso a todos os documentos relativos à violação dos direitos humanos. Assim, crimes cometidos por agentes públicos não serão mais classificados como sigilosos.

O governo assumiu ontem o compromisso de liberar os documentos oficiais sobre torturas praticadas no regime militar e as mortes durante a Guerrilha do Araguaia. Apresentado em cerimônia no Itamaraty, o projeto de lei que define as novas regras para o acesso a informações determina que todos os papéis relativos à violação dos direitos humanos não podem receber nenhum tipo de classificação. Com isso, crimes ocorridos na ditadura cujos autores seriam agentes públicos não terão mais a chancela de documentos sigilosos.

¿O anteprojeto deixa claro que não se pode acobertar violações dos direitos humanos sob quaisquer argumentos, inclusive o da segurança nacional¿, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em discurso no encerramento da solenidade. ¿O anteprojeto torna impossível que quaisquer documentos que possam se referir a mortes, desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias sejam mantidos em sigilo¿, acrescentou Lula. Além do presidente, ministros fizeram questão de ressaltar a promessa do governo de saldar uma dívida com familiares de desaparecidos políticos e vítimas da repressão.

Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff ressaltou a ¿chamada pública¿ que será realizada pelo Arquivo Nacional. A ideia é conclamar as pessoas a repassarem para a União documentos relacionados ao regime militar. ¿A cultura do segredo de Estado está sendo superada pelos esforços do governo e da sociedade. As iniciativas eliminam todo o processo de desinformação e contribuem para o fortalecimento da democracia e a modernização do Estado brasileiro¿, declarou Dilma. A ministra e o titular da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, também destacaram que o governo tentará evitar a liberação de informações que afetem a honra das pessoas ou invadam a esfera pessoal.

¿Existe o receio do mau uso de informações distorcidas por setores de oposição ao governo? Sim¿, disse Hage. Pré-candidata à Presidência, Dilma é personagem de uma série de relatórios apócrifos que circulam na internet. Parte deles, segundo a ministra, é recheada de incorreções e são usados para miná-la politicamente. Enviado ontem ao Congresso, o projeto sobre acesso a informações muda os prazos de validade de cada documento. Os classificados como ultrassecretos, normalmente confeccionados em gabinetes ministeriais, militares e na Presidência da República, só podem ficar guardados por 25 anos, e não mais por 30 anos. Pelo texto, o prazo poderá ser prorrogado.

Banco de dados Já a proteção dos papéis secretos cai de 20 para 15 anos, os reservados permanecem com o sigilo de cinco anos, enquanto que os confidenciais deixam de existir. O prazo de secretos e reservados não pode ser prorrogado segundo o projeto. Os papéis classificados durante períodos específicos, como a realização de atos internacionais no país, perdem a chancela após a concretização do evento. A intenção do governo é formar uma espécie de banco de dados ao qual a sociedade terá acesso. Para isso, todos os órgãos públicos serão obrigados a revisar seus documentos sigilosos em dois anos e, caso isso não aconteça, eles serão tornados públicos.

O Executivo quer abrir todos os arquivos existentes desde que não interfira em suas relações internacionais ou na soberania nacional.

-------------------------------------------------------------------------------- Prazos novos

A partir do decreto enviado pelo governo ao Congresso, todos os prazos de classificação de documentos foram alterados. Veja como ficou:

Ultrassecreto

Antes ficava sob sigilo por 30 anos. Agora, esse prazo é de no máximo 25 anos, prorrogável por uma vez, mas pode ficar sob sigilo indefinidamente em casos de ameaças externas à soberania, integridade territorial ou grave risco às relações internacionais

Secreto

Hoje é classificado com até 20 anos, mas pelo projeto será no máximo 15 anos, sem prorrogação

Confidencial

Era classificado em no máximo 10 anos, mas agora deixa de existir

Reservado

Mantém a mesma classificação, de 5 anos, mas sem prorrogação

Direitos humanos

Independentemente do tipo de classificação, as normas não se aplicam a documentos relativos a violação de direitos humanos. Nesse caso, eles devem ficar abertos

Informações pessoais

Documentos com informações referentes à intimidade, vida privada, honra e imagem têm restrições de acesso por 100 anos. Mas poderão ser liberados, com o consentimento do titular, papéis sobre tratamento médico, estatísticas e pesquisas, interesse público, ordem judicial ou apuração de irregularidades ou ações voltadas à recuperação de fatos históricos

MOTIVOS DE CLASSIFICAÇÃO O governo enumerou seis motivos que podem ocasionar a classificação dos documentos públicos:

Defesa

Quando houver riscos à soberania ou integridade do território nacional

Riscos

Papéis que podem ameaçar a segurança, saúde ou vida da população

Investigação

Que são voltados para atividades de inteligência, investigação ou fiscalização

Diplomacia

Documentos referentes a condução de negociações e relações externas, ou que contenham informações sigilosas fornecidas por Estados estrangeiros

Economia

Que podem causar riscos à estabilidade financeira, econômica ou monetária

Autoridades

Documentos que possam causar riscos à segurança de instituições ou altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares

-------------------------------------------------------------------------------- Dilma, Serra e Lula Carlos Moura/CB/D.A Press

Separados na bancada pelo presidente Lula, a ministra Dilma Rousseff e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), pré-candidatos à Presidência da República, discursaram ontem na solenidade de apresentação do projeto de lei sobre acesso a informações. Primeira a falar, Dilma manteve a linha técnica, explicando cada iniciativa adotada pelo Planalto. Já o tucano temperou sua manifestação com o relato de fichas produzidas pelo regime militar com informações incorretas. Durante a cerimônia, os dois presidenciáveis conversaram pouco entre si. Mas não deixaram de trocar sorrisos e comentários quando o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, lembrou que as propostas contavam com o apoio de dois candidatos à sucessão de Lula, condição que tanto a ministra como o governador insistem em negar em público. (DP)

-------------------------------------------------------------------------------- Trilha sonora

A trilha sonora que brindou os convidados da cerimônia de apresentação do projeto sobre acesso a informações, realizada ontem no Itamaraty, foi a mesma que embalou a luta contra o regime militar. Antes da chegada do presidente Lula, os presentes ouviram, entre outros, O bêbado e a equilibrista, música de João Bosco e Aldir Blanc consagrada na voz de Elis Regina, e Para não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré. Apesar de Você e Cálice, de Chico Buarque, também foram entoadas.