Título: Apertem os cintos, a gasolina subiu
Autor: Ruether, Graça Magalhães
Fonte: O Globo, 15/06/2008, Economia, p. 33

A ERA DA ESCASSEZ

Com preços altos, americanos, europeus e asiáticos mudam hábitos e apelam até para carona

A explosão dos preços dos combustíveis com a disparada das cotações do petróleo - só este ano o barril subiu mais de 44% até o recorde de US$139,12 em 6 de junho - vem provocando mudanças de comportamento em vários continentes. Para economizar gasolina, cada vez mais pessoas deixam o carro na garagem. Protestos contra os aumentos se espalharam por Europa e Ásia. E greves ameaçam deslanchar uma crise de abastecimento em vários países. Nos EUA, americanos estão apelando até para carona ou dão preferência a carros menores, mais econômicos. Na Espanha, já faltam peixe, verduras e frutas nos mercados. Na Alemanha, o número de bicicletas cresceu nas ruas, e o sistema de trens inflou com mais 20 milhões de passageiros. Em Londres, a solução de brasileiros que trabalham como motoboy foi trocar motos grandes por menores. Na Índia, os mais abastados planejam substituir carros luxuosos pelo Nano, da Tata Motors, que chegará às lojas em outubro por US$2.500, o modelo mais barato do mundo. E no Brasil, caminhoneiros fazem jornadas de até 19 horas, para compensar o diesel mais caro, e ameaçam cruzar os braços. Com reportagens de correspondentes, O GLOBO inicia hoje uma série que traça um painel global das principais mudanças em dez países.

Graça Magalhães-Ruether, Priscila Guilayn e Marília Martins

A vida dos alemães não é mais a mesma. Desde que o preço da gasolina passou a custar 1,54 o litro, o uso do automóvel se tornou um luxo para muitos. Para enfrentar a situação, a opção mais comum é a bicicleta. Os transportes coletivos também vivem um boom. Nos últimos meses, a Deutsche Bahn (Ferroviária Alemã) tem transportado 20 milhões de passageiros a mais em seus trens.

Ahmed Dittberner, de 33 anos, é um desses novos passageiros. Até abril, ele tinha um carro, mas quando os custos semanais com a gasolina entraram na faixa de cem euros por semana, resolveu vendê-lo e adotar um novo estilo de vida.

- A classe média está sendo sufocada com o aumento dos preços dos combustíveis e dos alimentos. Mesmo na rica Alemanha, os salários não são mais suficientes para cobrir os custos - diz.

Embora na Alemanha a pressão popular ainda não tenha atingido a dimensão dos protestos em Espanha e Portugal, a insatisfação é grande. Para evitá-los, o governo já cogita criar um subsídio fiscal para o uso do automóvel a caminho do trabalho. O projeto, porém, é polêmico porque tal subsídio foi abolido pelo governo anterior, do chanceler Gerhard Schröeder.

Felix Boettcher, de 42 anos, não acredita em grande ajuda. Até o ano passado ele tinha um táxi próprio. Com o aumento dos custos, resolveu comprar uma ricksha, um triciclo comum na Índia, para o transporte de turistas no centro de Berlim.

- O negócio é lucrativo porque há em Berlim muitos turistas, e os meus custos com combustível são zero agora - diz Felix.

A previsão é que os exemplos de Ahmed e de Felix sejam seguidos. Segundo o economista Hans Babies, do Instituto de Matérias-primas e Ciências Geográficas, há no momento um clima de especulação nos mercados, alimentado pela preocupação real de que as reservas mundiais de petróleo sejam mais limitadas do que o previsto pelos países produtores. Quer dizer, o preço do petróleo continuará subindo.

Na Espanha, falta de alimentos

Na Espanha, a explosão dos preços - encher o tanque hoje é 35% mais caro do que há um ano - fez trabalhadores de diferentes categorias decretarem greve. Com pescadores, agricultores e caminhoneiros de braços cruzados, já falta peixe fresco, verduras e frutas nos mercados.

- Estou levando o que nunca compro, mas era o que sobrava nas prateleiras. Se esta greve continuar, ficar sem comida não é um risco, é um fato - diz a dona de casa Pilar López, na fila do supermercado.

Na última-sexta-feira, os taxistas também entraram greve. Nem atividades artísticas têm sido poupadas. Shows e musicais vêm sendo cancelados por falta de caminhões para transportar os equipamentos.

Do outro lado do Atlântico, a alta dos combustíveis também tem feito vítimas, mesmo entre a elite. A americana Mary Lou Helms deixou de jantar fora e ir ao cinema nos fins de semana e reduziu o uso do ar-condicionado para compensar o aumento de custos com a gasolina. Como os demais moradores de Aiken, na Carolina do Sul, carro para ela não é luxo, e sim necessidade, pois só há transporte público na cidade ligando as áreas mais pobres ao centro.

- A despesa com gasolina ficou tão alta que não posso mais ter o lazer que tinha no fim de semana. Nada de jantar fora ou ir ao cinema - diz Mary, que gasta US$140 por mês, só para ir e voltar do trabalho.

Camionetes vendidas com desconto

Na Califórnia, Heath Pois e sua mulher Linda vivem o mesmo problema, mas encontraram outra solução: passaram a abastecer o Golf com óleo de cozinha comprado em restaurante em vez de diesel. Mas a procura pelo óleo foi tão grande que o preço do combustível alternativo já inflou.

Ciente das dificuldades de seus funcionários, empresas americanas estão organizando grupos de carona. O sistema funciona assim: a empresa aluga um número de carros, subsidia parte dos custos e a outra parte sai do bolso dos funcionários. Todos são divididos em grupos de acordo com o endereço.

A mudança no comportamento dos americanos também levou as montadoras a se adaptar à nova realidade. Pelo alto consumo de gasolina, camionetes vêm sendo vendidas com descontos de até US$6 mil, e empresas como a General Motors fecharam fábricas voltadas pera este tipo de veículo.