Título: No Brasil, caminhoneiro amplia jornada diária
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Fonte: O Globo, 15/06/2008, Economia, p. 35

A ERA DA ESCASSEZ: Para compensar reajuste do diesel, motoristas trabalham até 19 horas por dia e ameaçam parar

Petrobras já deixou de ganhar R$9,9 bilhões desde 2005 com política de controle de preços, diz especialista

uma greve nacional em 25 de junho. A decisão será tomada em assembléia esta semana

Danielle Nogueira e Ramona Ordoñez

Há 30 anos, o caminhoneiro Jorge Lisboa, 55, acorda às 6h e só dorme depois das 21h. Desde maio, ele alterou sua rotina. Passa mais tempo na estrada e só encerra o expediente às 24h. Aumentar a jornada de trabalho foi a solução que encontrou para ganhar mais dinheiro no fim do mês e, assim, compensar o aumento de 8% do diesel.

- Recebemos por número de horas trabalhadas. Se fico mais na estrada, encurto as viagens e posso atender a mais clientes. Só é ruim porque fico mais tempo longe da família - diz Lisboa, que mora em uma casa em Petrópolis, com a mulher e duas filhas.

Tanto esforço tem um objetivo claro. Lisboa precisa ajudar a filha do meio, Ana Carolina, 25, que mora no Rio, onde cursa mestrado de geologia. Também tem de pagar o colégio particular da caçula Natália, 17, e as prestações mensais de R$2.800 de seu caminhão, comprado em 2002.

Preço da gasolina está 16% menor que no exterior

Ele não é um caso isolado. Outros 100 mil caminhoneiros autônomos no país têm enfrentado problemas semelhantes. Com o aumento do diesel, a partir de 1º de maio, seu peso o no valor do frete subiu de 40% para 60%. Mas os caminhoneiros não têm conseguido repassar o reajuste adiante. Reunidos na Associação Brasileira de Caminhoneiros Autônomos (Abicam), eles preparam uma greve nacional para 25 de junho. A decisão será tomada em assembléia na próxima quarta-feira, em São Paulo.

O efeito da alta do petróleo no Brasil só não é maior porque o país subsidia alguns combustíveis. Cálculos do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE) mostram que o preço do GLP (gás de cozinha) em maio ficou, em média, 44% abaixo das cotações externas. Já os preços de gasolina e diesel estão 16% e 22% abaixo dos preços externos, respectivamente.

Mesmo que o preço da gasolina acompanhasse o mercado internacional, o brasileiro não sentiria tanto a alta no bolso. Os carros movidos a gasolina têm perdido espaço para os flex. Em 2003, quando os veículos biocombustíveis chegaram ao mercado, eles representavam apenas 4% das vendas, de acordo com a Anfavea. Em 2008, já representam 88% e os que consomem gasolina, somente 8%.

De janeiro a maio, a gasolina acumula alta de 0,22% segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), apesar do reajuste de 10% nas refinarias, em vigor desde 1º de maio. Quem paga a conta da diferença é o governo, que abriu mão de R$3 bilhões de arrecadação da Cide, imposto que incide sobre combustíveis, para neutralizar a alta nas bombas.

Mas não é só ele que perde. O CBIE calcula que a política de subsídio representou redução de R$9,9 bilhões na receita da Petrobras desde o início de 2005 - ano em que a empresa havia feito o último reajuste do diesel e da gasolina.

Para Luiz Octávio Broad, da Ágora Corretora, a Petrobras deveria fazer reajustes a cada mês, ou a cada três meses.

- Se o petróleo ficar acima de US$100 o barril neste segundo semestre, a Petrobras terá que pensar em novo reajuste de preços - diz.

É esse o procedimento que a empresa adota no caso do querosene de aviação (QAV) e da nafta. Até maio, ambos acumulam alta de 19%, bem acima da inflação medida pelo Índice de Preços por Atacado (IPA) da FGV, de 6%. É a indústria, portanto, que vem sentindo os efeitos da escalada de preços do petróleo com mais intensidade.

Aéreas prevêem aumento de passagens no país

Isso não significa que, indiretamente, o consumidor não será afetado. O Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea), por exemplo, prevê aumento de mais de 7% das passagens até o fim do ano, para compensar a elevação do peso do QAV nos custos das empresas, de 45% para 60% desde janeiro passado. Até maio, a alta acumulada no preço dos bilhetes aéreos é de 11%, segundo a FGV.

- Há um efeito sazonal nessa alta de 2008. As passagens sobem no período de férias e caem depois. O que deve acontecer é que essa queda será menor que o habitual - afirma André Braz, economista da FGV.

Mas os efeitos para os passageiros devem parar por aí. O presidente do Snea, José Márcio Mollo, descarta a cobrança por despacho de bagagem ou por bebidas como anunciaram as americanas United Airlines e a American Airlines.

- A cultura do Brasil não permitiria isso - diz.

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