Título: Cem anos depois, dekasseguis voltam ao Japão
Autor: Barbosa, Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 15/06/2008, O País, p. 18

Cem anos depois, dekasseguis voltam ao Japão

Mesmo com dificuldades, cerca de 5 mil descendentes de japoneses embarcam para o país dos antepassados

Adauri Antunes Barbosa

SÃO PAULO. No ano que marca o centenário da imigração japonesa no Brasil, são os dekasseguis ¿ descendentes de japoneses ¿ que refazem o caminho de volta à terra de seus antepassados. No começo do século passado, a imigração começou porque o Japão passava por dificuldades econômicas. Em cem anos, mais de 150 mil japoneses vieram de seu país para o Brasil. Após a Segunda Guerra Mundial, quando o país foi reconstruído e se tornou uma das potências econômicas mundiais, faltou mão-de-obra para as indústrias, o que atraiu levas de imigrantes. Hoje já vivem no Japão cerca de 300 mil brasileiros descendentes de japoneses.

¿ Na década de 1980, o governo japonês facilitou a entrada dos imigrantes que haviam saído porque o país precisava de mão-de-obra. A facilidade foi estendida aos descendentes, até a terceira geração ¿ explica o presidente do Centro de Informação e Apoio ao Trabalhador no Exterior (Ciate), Masato Ninomiya, entidade mantida pelo governo japonês que trata da migração de trabalhadores brasileiros ao Japão antes da ida, durante a permanência e no retorno.

Mãe e filho trabalharam juntos em aeroporto

Formado pelas palavras japonesas deru (sair) e kasegu (ganhar dinheiro), o termo dekassegui designa qualquer pessoa que deixa sua terra natal para trabalhar temporariamente em outra região.

¿ Foi uma experiência muito boa. Estou pensando em voltar em agosto ¿ revela Getúlio Akikawa, de 24 anos, que já foi duas vezes para o Japão, onde trabalhou como operário de indústrias de autopeças, eletrônica e no aeroporto de Nagóia.

A mãe de Getúlio, Suzana Kotaki Akikawa, também já esteve duas vezes para trabalhar no Japão, uma delas ao lado do filho:

¿ É muito importante não ir sozinho, saber falar e escrever japonês. Tem de ter alguém que saiba se comunicar para não cair na conversa dos picaretas.

Na segunda vez que foi ao Japão, Suzana deixou o emprego de quase 20 anos no banco Mitsubishi em São Paulo, seduzida pelas promessas de trabalhar no Banco do Brasil no Japão e ganhar mais. Mas, quando chegou, descobriu que era tudo mentira. Como falava japonês, pôde protestar e se defender e, depois de ameaçar processar a agência que a tinha levado, conseguiu um trabalho onde queria, no aeroporto de Nagóia, com o filho.

Filho de japonesa com brasileiro, Fábio Okuma de Mello, de 26 anos, foi para o Japão aos 18 anos e ficou durante seis anos.

¿ Voltei porque tive um problema de saúde. Se não fosse isso, estaria lá até hoje, teria casado com uma japonesa e comprado uma casa para pagar em 30 anos, como todo japonês faz.

Fábio, no entanto, não quer voltar. Cursa Administração na PUC e espera se estabelecer no seu país. Segundo ele, a situação hoje não é a mesma para os dekasseguis.

¿ Meu tio e minha tia estão lá. O custo de vida subiu muito e ele diz que está trabalhando para pagar as contas ¿ diz.

Segundo dados do Ciate, em 1991 entraram no Japão 83 mil dekasseguis, 61 mil dos quais de São Paulo. Vivem atualmente em território japonês 313 mil dekasseguis descendentes de japoneses que haviam imigrado para o Brasil. Segundo Masato Ninomiya, têm embarcado para o Japão cerca de 5 mil dekasseguis por mês. Para o dirigente do Ciate, os descendentes enfrentam problemas no Japão, como a discriminação, dificuldades para ter o seguro social, que dá direito à aposentadoria e atendimento de saúde, acesso à escola para os filhos e a criminalidade.

Em junho de 1908, navio Kasato Maru traz 165 famílias

No dia 18 de junho de 1908 um navio japonês atracava no porto de Santos. Era o Kasato Maru, que trazia as primeiras 165 famílias do Japão e inaugurava o principal fluxo migratório japonês e um dos mais importantes para o Brasil. Consideradas pela historiografia oficial como os primeiros imigrantes japoneses, essas famílias foram trabalhar nos cafezais do Oeste paulista. Nos primeiros sete anos vieram mais 3.434 famílias, ou 14.983 pessoas. Com o começo da Primeira Guerra Mundial, em 1914, a imigração do Japão para o Brasil ganhou muita força. De 1917 a 1940 vieram 164 mil japoneses, 75% dos quais ficaram em São Paulo, que concentrava a maior parte dos cafezais.

Terminada a Primeira Guerra, o fluxo migratório japonês para o Brasil cresceu. O governo do Japão passou a incentivar a imigração porque havia muita gente no campo e nas cidades japonesas e isso contribuía para a pobreza e desemprego.

¿ Uma forma de olhar o que representa esse centenário está no livro ¿Resistência & integração ¿ 100 anos de imigração japonesa no Brasil¿, editado pelo IBGE em comemoração à data e que será lançado nesta terça-feira (dia 17) ¿ sugere a socióloga Célia Sakurai, organizadora da publicação, ao lado da cientista política Magda Prates Coelho, assistente no Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDD) do IBGE.

Entre 1920 e 1930 chegou a maior parte dos imigrantes. A maioria queria enriquecer e retornar ao Japão em três anos. Mas a fortuna rápida era um sonho quase impossível. A principal dificuldade foi a barreira cultural: diferenças de idioma, hábitos alimentares, vestuário e diferenças climáticas. Muitos nunca aprenderam português.

As coisas começaram a mudar depois que os imigrantes passaram a ter um sistema de parceria com os fazendeiros. Muitos compraram lotes de terra, recebendo uma parcela do lucro da lavoura. A ascensão social e deflagração da Segunda Guerra fizeram com que a grande maioria decidisse ficar definitivamente no Brasil.

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