Título: Tínhamos dois anjos da guarda
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 15/06/2008, Economia, p. 37

Para o ex-presidente da Varig, juízes Luiz Roberto Ayoub e Robert Drain, de NY, evitaram o colapso da companhia

BRASÍLIA. Presidente da Varig entre os meses de maio e novembro de 2005 - quando a falência da empresa era iminente e a companhia se tornara alvo de pedidos de retomada de aviões e VEM e VarigLog foram vendidas -, David Zylbersztajn considera descabida a discussão sobre o grau de interferência do governo brasileiro no processo, o que atribui à inexperiência do país em recuperação judicial. Na sua avaliação, o Executivo não fez mais do que sua obrigação ao ir "até o limite do que poderia ser feito para salvar a Varig". Ainda assim, credita aos juízes brasileiro e americano que atuaram no processo o papel de verdadeiros anjos da guarda da Varig. "Essas acusações chegam a ser leviandades", afirma Zylbersztajn.

Henrique Gomes Batista

O senhor foi presidente da Varig durante sete meses, em 2005, quando a aérea já estava em processo pré-falimentar e quando começou a vender seus ativos. Como foi a atuação do governo em relação à companhia nesse período?

DAVID ZYLBERSZTAJN: A participação do governo foi importante, relevante e positiva. Tratávamos principalmente com o então ministro da Defesa, José Alencar, e com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Na época, não havia Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), tratávamos com o Departamento de Aviação Civil (DAC), com o brigadeiro Godinho (Jorge Godinho Barreto Nery, então diretor-geral do DAC). Sempre houve um envolvimento muito grande do governo para tentar manter a Varig voando.

Como era o envolvimento do governo então? Houve favorecimento nas negociações enquanto o senhor estava por lá?

ZYLBERSZTAJN: O nosso relacionamento com o governo sempre foi muito bom, ele sempre foi até o limite do que poderia ser feito para salvar a Varig. Eu diria que o governo não deu nenhum privilégio nem prejudicou a companhia.

Como estava a situação da companhia aérea naquela época?

ZYLBERSZTAJN: A situação era muito preocupante, uma loucura. Tínhamos uma dívida monstruosa. Toda semana tínhamos que brigar para evitar o arresto de aeronaves (por parte das empresas de leasing). Na verdade, a Varig não tinha um único avião, todos eram das empresas de leasing, era um momento muito difícil.

Como a situação da Varig começou a ser resolvida?

ZYLBERSZTAJN: Tínhamos dois anjos da guarda: o juiz Ayoub (Luiz Roberto Ayoub, responsável pelo processo de recuperação judicial da empresa), que atuava junto com a juíza Márcia Cunha, e o juiz americano Robert Drain (da Corte de Falências de Nova York, que analisava o pedido de devolução dos aviões da Varig aos seus arrendadores por falta de pagamento). Temos despachos do juiz americano afirmando que não arrestaria as aeronaves devido ao impacto social que o fim da Varig teria no Brasil. Esse conceito de recuperação da empresa foi muito bem aplicado.

Mas, no contexto atual, muitos andam questionando a relação entre o juiz Ayoub, a Anac, o governo...

ZYLBERSZTAJN: Isso acontece porque não temos a cultura da recuperação das empresas, que existe nos Estados Unidos, de onde copiamos a lei. Esta discussão está hoje muito rasa. Na verdade, a situação era de recuperação judicial, que vai muito além da antiga lei de falências. A Varig naquele momento tinha uma importância estratégica para o país. Essas acusações chegam a ser leviandades, o papel dos dois juízes foi fundamental para a Varig não parar totalmente.

Quais as medidas que foram tomadas para resolver o problema da companhia aérea?

ZYLBERSZTAJN: Para mim o marco foi a venda da VEM (empresa de manutenção de aeronaves) e da VarigLog para a TAP (empresa portuguesa de aviação). Havia muitos grupos interessados em comprá-las, dentre as propostas existiam das mais sérias às mais picaretas. Decidimos pela TAP por três motivos: era uma empresa séria, faria aportes na companhia e tinha o governo português como avalista do empréstimo que estava sendo feito com o BNDES. Eles não eram aventureiros. Tanto deu certo que a VEM é uma das empresas mais respeitadas no setor no mundo, é a maior empresa de manutenção do Hemisfério Sul, uma das maiores, tirando as de Estados Unidos e de alguns países europeus. Depois disso, a TAP repassou a VarigLog para a Volo, e nesse meio eu saí da Varig.

Como foi a sua saída?

ZYLBERSZTAJN: A Fundação Ruben Berta me destituiu porque não aceitou meu plano de recuperação. Era um plano sério, com 200 medidas. Foi feito pelo UBS (banco suíço) na parte econômica e pela Lufthansa Consulting (LCG), a consultoria da empresa aérea alemã, na parte operacional. Mas eles não aceitaram esse plano e fomos demitidos. Aí é que está a culpa por esta situação de agora.