Título: Venda da Varig fez da Anac um campo de guerra
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 15/06/2008, Economia, p. 37

Documentos revelam disputa entre a ex-diretora Denise Abreu e o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula

Henrique Gomes Batista e Leila Suwwan

BRASÍLIA. Foi com alguma truculência e um certo grau de tumulto jurídico que, em 2006, começou a análise da venda da VarigLog para a Volo do Brasil na então recém-criada Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Documentos desse processo, que agora vieram à tona em investigações do Senado, mostram um verdadeiro confronto entre dois personagens, pautado por acusações que, em vários momentos, beiraram o ataque pessoal, com reiteradas petições à Justiça.

De um lado, Denise Abreu, ex-diretora da agência, que desconfiava de irregularidades e exigia uma criteriosa verificação da transação. Do outro, Roberto Teixeira, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e cujo escritório de advocacia defendia os compradores e acusava supostos interesses escusos de sua "adversária" para quebrar a Varig e favorecer as competidoras com o espólio de mercado.

Ex-diretora foi acusada de atrasar processo

A primeira ofensiva, um mandado de segurança na Justiça do Rio contra a diretoria da agência, já revelava que a relação seria belicosa. O questionamento judicial - datado de 6 de junho de 2006 e assinado por Roberto Teixeira, seu genro Christiano Zanin Martins e por Regina Lynch, do escritório Xavier, Bernarde e Bragança Advogados - afirma que a condução do processo pela relatora Denise visava, deliberadamente, a atrasar a aprovação da transação comercial:

"Esta situação (a solicitação constante de novos documentos) (...) impede que a Anac pretenda renovar os atos de instrução já realizados, retardando, indevidamente, o deferimento da prévia aprovação requerida pelas impetrantes (VarigLog e Volo do Brasil)".

Em outros trechos, os advogados afirmam categoricamente que essa demora beneficia as empresas concorrentes da Varig - notadamente a TAM e a Gol. Conforme Denise afirmou em seu depoimento de quarta-feira passada no Senado, a própria ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, havia afirmado que circulavam no governo acusações de que a ex-diretora fazia lobby para a TAM.

A desconfiança da equipe de Teixeira fica mais clara em petição posterior, de 28 de agosto de 2006, quando a disputa entre Anac e escritório já se dá em torno da compra da Nova Varig pela VarigLog:

"A Anac está tentando frustrar o leilão judicial realizado em 20 de junho de 2006 através de expedientes que afrontam a dignidade e colocam em risco o estado democrático de direito", afirma o documento, no qual os advogados dizem que Denise tinha por objetivo "obnubilar a intenção de instituir um verdadeiro duopólio na aviação civil nacional".

Denise disse que foi tratada com truculência

Os advogados afirmam ainda que as declarações públicas da ex-diretora "afrontam a dignidade da Justiça e ameaçam o estado democrático de direito, estimulando o caos e o arbítrio". Concluem, então, que Anac estaria extrapolando suas funções:

"A Anac, assim como as demais agências reguladoras, não podem se comportar como uma "ilha de poder" imune às deliberações do juízo competente para processar a recuperação judicial (da Nova Varig)", diz a petição.

Todo o caso veio à tona pois Denise afirmou que Valeska Teixeira Martins, afilhada de Lula e advogada da Volo do Brasil - empresa formada pelo fundo de investimento americano Matlin Patterson e por três sócios brasileiros - agia de forma truculenta, utilizando da proximidade com o presidente para obter vantagens e acelerar procedimentos. Além disso, a ex-diretora acusa a ministra Dilma de interferir em favor da aprovação do negócio.

Documentos daquela época demonstram uma verdadeira guerra, composta por dois rounds: além da análise da aquisição da VarigLog, a batalha se repetiu no processo de compra da Varig pelo mesmo grupo, o que levou a trocas de farpas até o início do ano passado. As diversas petições indicam, inclusive, a divisão entre os diretores da agência - refutando a tese de que haveria "companheirismo" entre os colegas, como Denise Abreu afirmou para justificar seu voto a favor da primeira operação.

Em um dos momentos mais tensos, com a perspectiva de quebra total da Varig distante apenas algumas horas, em 23 de junho de 2006, uma representação contra Denise foi retirada às pressas do Ministério da Defesa. Nela, advogados do "lado" de Teixeira indicaram o então presidente da agência, Milton Zuanazzi, como testemunha de acusação. Outra testemunha seria Mário Roberto Gusmão Paes, superintendente de Serviços Aéreos e subordinado de Denise.

Além disso, uma petição de 21 de janeiro de 2007, assinada por Christiano Martins e Valeska Teixeira Martins, afirma que a VarigLog tomou conhecimento da tentativa de repasse dos slots (espaço de pouso e decolagem) da Varig para outras empresas, "através da mídia" e que qualquer decisão tomada sem conhecimento deles poderia ser considerada nula, já que eles brigariam na Justiça para invertê-la.

www.oglobo.com.br/economia