Título: O golpe da CSS
Autor:
Fonte: O Globo, 14/06/2008, Opinião, p. 6
Há inúmeros argumentos contrários à volta da CPMF disfarçada de CSS (Contribuição Social para a Saúde). Existe uma carga tributária brutal (36% do PIB, a maior do mundo entre as economias emergentes), a arrecadação continua a crescer como nunca, e politicamente é uma afronta ao Senado, onde a CPMF foi pulverizada há cerca de seis meses. Os governistas adotaram a temerária tática de tentar ressuscitar o imposto por meio de lei complementar, por causa da exigência do quórum mais baixo ¿ maioria absoluta e não de três quintos, como exigido no caso de emenda constitucional. Mas o projeto não terá vida tranqüila, pois, se aprovado, irá ao Supremo, convocado que será pela oposição a fazer valer o dispositivo da Carta que exige a via da emenda para a criação de impostos cumulativos, os que incidem sobre toda a cadeia produtiva. Como a CPMF/CSS.
Outro argumento contra a CSS ¿ a qualidade da aplicação do dinheiro que já existe para a Saúde ¿ ganhou ainda mais força com a conclusão de recente estudo do Banco Mundial (Bird): o Brasil gasta mal o dinheiro destinado à Saúde, onde é grande o desperdício e ruim o gerenciamento. Há informações assustadoras, mas não supreendentes. Alguns exemplos: 1) é baixa a taxa de ocupação dos leitos, embora eles faltem, sinal de péssima gestão; 2) numa escala de eficiência de 0 a 1 a nota brasileira é 0,34, muito baixa; 3) 30% das internações são desnecessárias e custam R$10 bilhões/ano, sendo a parte dos hospitais públicos quase tanto quanto arrecadaria o disfarce de CPMF.
Embora o estudo tenha abrangido também o setor privado, é no público que estão os maiores problemas. Mesmo assim, o governo, em vez de tratar de melhorar a eficiência do seu sistema hospitalar ¿ que drena boa parte dos R$50 bilhões/ano do orçamento da Saúde ¿, quer empurrar para a sociedade a conta da sua incompetência. Os pesquisadores do Bird constataram que os hospitais públicos administrados por fundações ¿ sem as regras esclerosadas do funcionalismo ¿ são bem mais eficientes. Enquanto estes gastam R$2.892 por alta, os estabelecimentos administrados à maneira usual ¿ funcionários estáveis, sem cobrança de eficiência ¿ despendem R$4.272, perto do dobro.
É evidente que novas formas de gerência hospitalar precisam ser adotadas. Em São Paulo funciona há algum tempo, com êxito, o sistema de Organizações Sociais de Saúde (OSS). José Gomes Temporão assumiu o Ministério da Saúde e conseguiu que o governo mandasse ao Congresso projeto de instituição de fundações públicas de direito privado para administrar seus hospitais. Como nas OSS, haverá cobrança profissional, remuneração por eficiência etc.
Mas as corporações sindicais que dominam a máquina estatal são contra. Por isso o projeto foi para as gavetas, o ministro recuou e decidiu aderir ao velho cacoete da administração pública: tratar de passar a conta para os contribuintes. Sem que haja qualquer esperança de melhoria do sistema de saúde. Só ficará mais caro.