Título: Economistas alertam para risco de novo calote da dívida na Argentina
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 14/06/2008, Economia, p. 30

Estudo mostra que endividamento é hoje de 67% do PIB, contra 54% em 2001

Janaína Figueiredo*

BUENOS AIRES, MONTEVIDÉU e LONDRES. Como se não bastassem os rumores sobre confisco de depósitos bancários - que levaram os correntistas argentinos a retirarem cerca de US$2 bilhões dos bancos nas últimas semanas -, economistas locais alertaram para o perigo de um novo calote da dívida pública argentina. Segundo relatório divulgado pelo Centro de Pesquisas de Mercados e Instituições Argentinas da escola de negócios Eseade, comandado pelos economistas Aldo Abram e Martín Krause, atualmente a dívida total do país (incluídos os bônus em poder de credores que não participaram da renegociação da dívida pública) alcança US$170 bilhões, o que representa 67% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) argentino. Em 2001, ano em que o país decretou o calote de sua dívida, esse percentual era de 54%.

Em meio ao conflito entre o governo de Cristina Kirchner e os produtores rurais, que começou em meados de março passado e parece longe de terminar, os economistas argentinos asseguraram que o principal problema do país é a falta de credibilidade interna e externa, provocada, basicamente, pelo estilo de governo.

- Não estamos à beira do calote, mas, se o país continuar neste caminho, o perigo existe. Nosso principal problema é a falta de credibilidade - disse ao GLOBO Abram, um dos autores de "Dívida e Inflação: Voltar ao Futuro".

"Argentinos vêem prepotência no governo"

Segundo o economista argentino, o país ainda está em condições de saldar suas necessidades de financiamento para este ano, de US$4 bilhões, e também no ano que vem, que está entre US$8 bilhões e US$10 bilhões. No entanto, explicou Abram, os conflitos da Casa Rosada com diferentes setores da economia argentina poderiam complicar seriamente o cenário financeiro do país:

- Hoje ainda podemos dizer que temos acesso ao mercado. Mas já está mais difícil do que no começo do ano.

O estilo de governo de Cristina Kirchner, similar ao de seu marido e antecessor, Néstor Kirchner (2003-2007), disse Abram, não ajuda a resolver os problemas do país.

- Dentro da Argentina, a confiança dos consumidores é cada vez menor, e no exterior os investidores estão cada vez mais desconfiados e menos dispostos a arriscar. Vamos supor que o governo consiga derrotar o campo e manter as retenções (tributos cobrados dos exportadores de grãos), o que todos pensarão é "quem será o próximo inimigo da Casa Rosada?" - afirmou.

Segundo Abram, "as pessoas votaram em Cristina cientes de que não veriam muitas mudanças no país, mas esperavam ao menos uma política mais firme de combate à inflação":

- O que os argentinos estão pedindo é mais diálogo, e o que vêem no governo é prepotência e um uso arbitrário do poder.

A iminência de um calote na Argentina repercutiu no Reino Unido. O estudo de Abram e Krause ganhou espaço no diário de negócios "Financial Times". O jornal ressaltou que muitos países desenvolvidos, como Itália e Japão, tem proporções de dívida/PIB mais elevadas, mas o custo maior para empréstimos da Argentina e seu histórico instável são agravantes. Segundo Abram, o problema não é o valor, o fato de o país não ter acesso a crédito.

Uruguai não vê sinais de crise no país vizinho

Já a revista "Economist" desta semana registrou a preocupação com a manipulação da inflação no país. Em maio o índice ficou em 0,6%, enquanto as previsões de analistas passavam de 1%. Para o ano, estima-se alta nos preços entre 25% e 30%, afirmou a revista.

Ainda assim, o presidente do Banco Central do Uruguai, Walter Cancela, disse ontem não acreditar que uma crise financeira na Argentina possa afetar seu país. Segundo a agência de notícias Ansa, ele descartou aperto na política monetária:

- Não estamos prevendo uma crise no sistema financeiro argentino, que está sólido. Não há nenhum indicador de situação parecida à de 2001.

(*) Com agências internacionais