Título: Entrevista não é propaganda
Autor: Farah, Tatiana; Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 18/06/2008, O País, p. 3

Para Saulo Ramos, decisão é totalmente equivocada e fruto de ignorância

SÃO PAULO. "Desde quando entrevista em jornal é propaganda eleitoral?". A pergunta é do ex-ministro da Justiça Saulo Ramos. O jurista de 78 anos, autor de "Código da vida", protestou ontem contra a decisão do juiz eleitoral de São Paulo:

- É uma rapaziada (juízes eleitorais) que não estuda bem o Direito. Entrevista em jornal não é propaganda eleitoral nem antes nem depois da lei (eleitoral). A liberdade de expressão do jornal é total. Porque a liberdade de expressão garantida na Constituição não tem essa limitação de lei de propaganda. Propaganda é outra coisa. Propaganda é quando o cigarro faz. Uma entrevista para saber as idéias de uma pessoa, embora ela seja política, ou no futuro seja candidata, não significa propaganda eleitoral.

Jurista acredita que TRE reformará sentenças

Para Saulo Ramos, as representações do Ministério Público Eleitoral de São Paulo e as sentenças do juiz da 1ª Zona Eleitoral não são apenas uma ameaça à liberdade de imprensa:

- É um equívoco mesmo. É falta de estudo. Eles assistem a muita televisão e lêem poucos livros. É uma questão de senso comum. Até os leigos sabem disso. Entrevista não se confunde com propaganda. Pode difundir o candidato, mas não é propaganda - disse ele.

O ex-ministro crê que as sentenças serão reformadas no Tribunal Regional Eleitoral (TRE):

- Não há dúvida disso.

Saulo Ramos deixa ainda um conselho aos jornalistas:

- Não tem nada (de censura). Usem a liberdade como quiserem, respeitando, é claro, o direito à honra e à privacidade. A liberdade de imprensa não deve se intimidar. Ela está muito bem assegurada na Constituição.

A decisão da Justiça Eleitoral também foi criticada pelo diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, para quem o juiz auxiliar da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, Francisco Carlos I. Shintate, teve uma interpretação "bastante estrita" da lei, assim como o Ministério Público Eleitoral, que apresentou as denúncias contra a "Folha de S.Paulo" e a "Veja São Paulo".

- Não é crível que o jornal e a revista tenham tido a intenção de favorecer alguém. Tudo isso me parece uma coisa completamente descabida. É um mecanismo para dificultar o acesso das pessoas a informações sobre os pré-candidatos - disse ele.

Claudio Abramo analisou pontos diferentes da sentença do juiz Shintate, que afirma que a entrevista foi extemporânea (fora de época) e, ao mesmo tempo, não teria tratado os candidatos com igualdade.

"É necessário ter bom senso, ou, pelo menos, senso mínimo"

Nas duas situações, o juiz diz que a entrevista é uma "típica propaganda direta (ausente apenas a indicação do número da candidata), explícita e extemporânea, dirigida a todos os eleitores".

- Se era para saber se os pré-candidatos seriam tratados igualmente, seria o caso de a Justiça esperar um pouco para ver se os demais candidatos seriam entrevistados ou não. Mas o problema é que a entrevista está sendo tratada como propaganda. É necessário ter bom senso, ou, pelo menos, senso mínimo - disse Abramo.

Ele apontou diferenças no comportamento da Justiça Eleitoral:

- Essa medida contra a imprensa vem ao mesmo tempo em que o Tribunal Superior Eleitoral não deu provimento ao que pediu o TRE da Paraíba de impedir candidatos que sejam meliantes de participar das eleições.