Título: Jobim pede desculpas em nome do governo
Autor: Gois, Chico de; Cássia, Cristiane de
Fonte: O Globo, 18/06/2008, Rio, p. 13

A GUERRA DO RIO: Operários retomam as obras e as tropas do Exército continuam ocupando a favela

Ministro da Defesa sobe o Morro da Providência, apesar de ter sido desaconselhado por generais do CML

Chico de Gois, Cristiane de Cássia, Gustavo Goulart e Luiza Damé

RIO e BRASÍLIA. Por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, veio ontem ao Rio para acompanhar as investigações sobre o envolvimento de 11 militares na morte de três jovens da Providência. Após se reunir com generais no Comando Militar do Leste, o ministro foi à favela, apesar da resistência de parte da cúpula militar do Rio. Desaconselhado a subir o morro, Jobim telefonou para Lula, que concordou com sua ida à comunidade. Na Providência, o ministro pediu desculpas às mães das três vítimas. Antes de chegar ao Rio, Jobim tinha se reunido com Lula, que expressou "profunda indignação" com a morte dos jovens.

- Quero dizer que, quando cheguei aqui, ouvi a expressão uníssona de vocês clamando por justiça. Tenham todos vocês, líderes comunitários e em especial as mães, parentes e namoradas desses rapazes, o nosso compromisso na busca por justiça para que paguem pelo que fizeram. É compromisso assumido - discursou Jobim usando um microfone, para depois abraçar e beijar as mães do três jovens assassinados.

General também pede desculpas

Na favela, Jobim visitou obras do projeto Cimento Social. Questionado sobre a saída do Exército, o ministro foi evasivo e disse a moradores que a reforma das casas é de grande relevância. Durante a visita, a dona-de-casa Sueli Ribeiro, tia de uma vítima, convidou Jobim para tomar um cafezinho.

De manhã, o general Mauro César Lorena Cid, da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada, também pediu desculpas, numa reunião, às mães dos três jovens. As desculpas não devem impedir, porém, que as famílias entrem na Justiça para pedir indenização pelas mortes. As mães não quiseram falar com a imprensa, mas o advogado que as acompanhava, José Roberto Oliveira, informou que as famílias vão entrar na Justiça contra a União e devem pedir quase R$1 milhão por vítima.

Na mesma reunião, operários decidiram retomar as obras do projeto Cimento Social na Providência, que estavam paradas desde segunda-feira. Os trabalhadores, com tarja preta nos braços, concluem até amanhã serviços inacabados em 20 casas, mas só vão continuar o projeto em mais 682 residências se os militares deixarem a favela. Apesar dos protestos, tropas do Exército continuam ocupando o morro, com o efetivo reforçado. Havia informações de que mais 250 militares estavam ontem na favela para visita do ministro.

Ontem, as escolas funcionando, os ônibus circulando e a Bandeira do Brasil novamente hasteada no alto do morro - depois de ter sido retirada por moradores - eram sinais de uma tranqüilidade aparente. Os trabalhadores de braços cruzados, alguns deles com camisas em homenagem aos três rapazes mortos, e o plástico preto estendido como símbolo de luto mostravam que não estava tudo bem. Os moradores que mais dependem da conclusão das obras do Cimento Social também não estavam satisfeitos. Maria Gonçalves de Albuquerque, de 26 anos, está literalmente sem teto no imóvel onde mora com o marido e duas filhas:

- As obras pararam exatamente quando iam colocar o telhado. Estamos vivendo embaixo de uma lona, que não foi suficiente quando a chuva caiu. Perdi sofá, colchão, roupas. Minhas filhas ficaram gripadas.

Um líder comunitário que esteve ontem no quartel do Exército onde houve a reunião com moradores também falou sobre o clima de medo:

- Os militares estão oferecendo uma ação cívica, mas será que isso vai pagar? A gente precisa que o Exército desça da comunidade. Eles passaram a madrugada (de ontem) dançando funk com celular em alto volume na Ladeira do Faria e na Ladeira do Barroso - reclamou Nelson Gomes, que desistiu de participar da reunião após se revoltar com uma revista e tirar as calças na frente dos militares.