Título: A autorregulação no mercado de energia
Autor: Amim, Mariana; Gissoni, Simone
Fonte: Correio Braziliense, 14/05/2009, Opinião, p. 29

Advogadas especializadas no setor de energia.

Há 10 anos iniciavam-se as atividades do mercado livre de energia no Brasil. Hoje, esse mercado já conta com, aproximadamente, 700 consumidores livres e 60 comercializadores, sendo responsável por 30% de toda a energia consumida no Brasil. O crescimento do mercado livre trouxe, além do grande benefício da competitividade e eficiência na venda da energia, alguns riscos inerentes a essas contratações.

Em 2008, em decorrência de uma brusca elevação do mercado de curto prazo, uma série de eventos de inadimplência e de liminares na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) ¿ organismo em que são registrados e contabilizados todos os contratos firmados entre seus agentes; entre esses, geradores, comercializadores, distribuidores e consumidores livres e especiais ¿ envolvendo alguns agentes, abalou o mercado de energia elétrica.

Ao lado dos eventos de inadimplência e das medidas liminares, obtidas no Poder Judiciário para a sua mitigação, a falta de informações oficiais com relação à situação de cada um dos agentes no decorrer da crise acabou por acrescentar ao mercado de energia elétrica um elevado grau de insegurança, pois, segundo os órgãos oficiais, tais informações estariam fora da abrangência de sua atuação. Caberia, portanto, aos próprios agentes, a organização e divulgação dos respectivos dados motivados pela necessidade de tradução e ampliação da transparência desse mercado.

Mas, afinal, qual seria a transparência exigida pelo mercado de energia elétrica? Valendo-nos dos conceitos usuais, tal transparência se manifestaria no conhecimento de toda conduta de qualquer agente do mercado, permitindo-se que sua atuação possa ser integralmente registrada, verificada, analisada e submetida a um juízo de valor dos demais participantes.

No mercado financeiro, por exemplo, criaram-se, ao longo do tempo, códigos de conduta com critérios rígidos para o comportamento dos agentes, de forma a manter elevados os padrões éticos de operação naquele mercado. Por meio de iniciativas da Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid), Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), Bovespa, entre outros, o mercado financeiro foi se autorregulando.

É importante registrar que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central não são ou foram omissos, assim como não o é a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ou a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), porém, a regulação oficial se ocupa do que é mais importante e macro para o funcionamento do mercado, deixando a cargo dos agentes o cuidado com os mecanismos que asseguram a ética e a transparência do mesmo.

O mercado publicitário também é um grande exemplo de mercado autorregulado. Em 1978, foi criado o Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária, e logo depois, o Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar), que se mantém extremamente atuante e respeitado pelos agentes do setor.

Assim como aconteceu no passado com o mercado financeiro e com a publicidade, é chegada a hora de iniciarmos um processo de autorregulação, de criação de valores supra-legais norteadores do exercício da comercialização de energia que visem a transparência, estabilidade, expansão e funcionamento eficiente e regular desse mercado. A autorregulação se revelaria por meio de um conjunto de princípios e normas desenvolvidas e aplicadas pelos participantes do mercado de energia elétrica, tendo por objetivo propiciar o seu adequado funcionamento e desenvolvimento. Tais princípios e regras costumam ser mais rigorosos que a própria legislação, podendo até mesmo integrá-la em casos de lacuna. Entretanto, sua aceitação e cumprimento são maiores, posto que são elaboradas e estabelecidas pelos próprios agentes.

Em comemoração aos 10 anos de existência, uma boa iniciativa para o mercado de energia seria a edição de um código de ética, supra-associativo, que englobasse todos os contornos e peculiaridades dos agentes dessa importante cadeia setorial, marcando o início de um processo de autorregulação e amadurecimento do setor.