Título: Guinada estratégica de Obama
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 20/06/2008, O Mundo, p. 29

Candidato democrata abdica de verba pública na corrida à Casa Branca, sob críticas de McCain.

Recordista em arrecadação de contribuições para a sua campanha eleitoral, Barack Obama já vinha sinalizando há várias semanas que não aceitaria dinheiro público - um pacote de US$84,1 milhões - para financiar a última etapa, que vai desde a convenção do partido (fins de agosto) até o dia da eleição, 4 de novembro. Afinal, se aceitasse ele estaria sujeito a uma condição imposta pela lei: limitar seus gastos a estes fundos. No entanto, quando Obama anunciou ontem que estava, oficialmente, dispensando os recursos federais, o seu adversário, John McCain, o acusou de hipocrisia e de faltar com a sua própria palavra.

Ao dar a entender que tinha um acordo tácito com o opositor, segundo o qual ambos utilizariam apenas a verba oficial, McCain disparou:

- Essa eleição é sobre muitas coisas. É inclusive sobre confiança. Ela diz respeito a manter a palavra. E ele não o fez - reagiu McCain em Iowa, visivelmente irritado com a notícia que acabara de receber.

Através de um curto vídeo enviado aos seus simpatizantes, via internet, Obama comunicara que abria mão do dinheiro da Comissão Federal de Eleições porque, se o aceitasse, estaria minando as suas chances de se eleger. Ele é o primeiro candidato a recusar tal verba, desde que ela foi criada em 1976, depois do escândalo Watergate.

- Essa não é uma decisão fácil, especialmente porque eu apóio a existência de um robusto sistema de financiamento público de eleições. Mas o sistema que existe hoje está quebrado, e nós enfrentamos oponentes que se tornaram mestres em jogar com esse sistema quebrado - argumentou Obama.

McCain, que há anos lidera no Senado uma campanha pela reforma desse sistema, sentia-se moralmente obrigado a aceitar a verba federal, como já fez. Isso porque, em princípio, dessa forma ele se manteria fiel à idéia de evitar ser financiado por grandes corporações e lobistas de vários grupos de interesses que mais tarde cobrariam tal favor do presidente eleito. Obama havia se declarado a favor desse mecanismo.

Ontem, no entanto, ele sugeriu que essa situação ideal ainda não existe. Ao afirmar que o sistema está quebrado, Obama se referia ao fato de que McCain, na verdade, vem apenas tentando manter uma fachada. Isso porque embora a sua campanha pessoal fique limitada aos US$84,1 milhões do fundo federal, o atual sistema permite que o Partido Republicano e grupos de simpatizantes arrecadem e invistam quanto quiserem em seu candidato, através de propaganda e de gastos com a sua logística. Os registros oficiais mostram que 70 lobistas contribuem assiduamente para a campanha de McCain.

Democrata tem mais de 1,5 milhão de doadores

Obama poderia se beneficiar desse mesmo subterfúgio, que é legal. No entanto, ele vem insistindo junto aos seus simpatizantes para que não contribuam para grupos de ação política paralela que queiram apoiá-lo. E, ao mesmo tempo, instruiu o Partido Democrata para que não aceite doações de lobistas. Isso, aparentemente, explica o fato de que, enquanto o Partido Republicano tem em caixa US$149 milhões para a campanha, o Democrata tem US$72,8 milhões.

- A campanha de John McCain e o Partido Republicano são alimentados por contribuições de lobistas de Washington e grupos de interesses especiais. E já vimos que ele não vai parar as calúnias e os ataques de seus aliados nesses grupos de ação política que gastarão milhões de dólares em doações ilimitadas - acusou Obama.

O democrata, que conta com uma rede de pessoas que fazem pequenas contribuições para a sua campanha - 90% delas enviam até um máximo de US$100 por mês - disse que podia recusar a verba federal confiando nessas doações, que até aqui já chegaram a US$272,1 milhões. McCain arrecadou US$98,7 milhões.

- Em vez de nos forçar a contar com milhões de dólares dos lobistas de Washington e dos grupos de interesses especiais, vocês têm alimentado essa campanha com doações de cinco, dez, vinte dólares. E, por causa disso, construímos um movimento de base com mais de 1,5 milhão de americanos - disse Obama, referindo-se aos seus fiéis contribuintes.

Segundo cálculos de sua própria equipe, se boa parte dos simpatizantes de Hillary Clinton engrossar a sua lista de doadores, Obama poderia chegar a arrecadar até US$500 milhões. A sua estratégia é clara: investir maciçamente em todos os 50 estados (algo inédito até aqui), ampliando o mapa democrata e forçando McCain a gastar inclusive nos estados onde o republicano é mais forte. Foi dessa forma que, nas primárias, Obama fez com que Hillary chegasse ao final da disputa com os cofres vazios.