Título: O capitalismo e o MST ::
Autor: Rosenfield, Denis Lerrer
Fonte: O Globo, 23/06/2008, Opinião, p. 7

O MST, sob diferentes denominações, dedicou uma série de ações à destruição e a invasões de propriedades e de empresas do agronegócio. Das ações anteriores, essas se destacam não apenas por sua abrangência nacional - o que já ocorria -, mas por se concentrar em um leque de empresas e setores do agronegócio e mesmo fora dele, como se o seu alvo fosse propriamente - e explicitamente - a sociedade capitalista e o estado de direito.

Um conceito particularmente apropriado para explicar as transformações do campo brasileiro é o de "destruição criadora", elaborado por Joseph Schumpeter em seu livro "Capitalismo, Socialismo e Democracia". O conceito de "destruição criadora" permite pensar os processos de destruição do capitalismo, próprios de seu movimento, que são criadores de novas etapas, que o colocam num patamar mais avançado. Por exemplo, a indústria de máquinas de escrever foi totalmente destruída, com falências de empresas, lojas, acarretando consigo o desemprego correspondente. Ora, essa destruição, ocorrida num setor da economia, foi devido a novas invenções, particularmente o computador e todo o mundo eletrônico, mediante novas empresas, mais renda e mais emprego, mudando a própria face do capitalismo contemporâneo. O resultado, do ponto de vista social, é o desemprego nos setores destruídos e outras formas de emprego e renda nos setores criados.

Se, no entanto, fizermos como os marxistas, que recortam apenas uma fase desse processo, por exemplo, o período inicial de desemprego e falências, com imagens televisivas e reportagens jornalísticas, ficaremos apenas com uma face estanque do processo, como se estivéssemos diante de uma crise iminente do sistema, que daria lugar a uma sociedade socialista.

Poder-se-ia aplicar o conceito de destruição criadora ao desenvolvimento da economia de mercado no campo brasileiro. Com a implantação do capitalismo no campo, rompendo com suas formas não capitalistas, como a do "latifúndio improdutivo", opera-se toda uma transformação, com a introdução de novas tecnologias, culturas, formas de cultivo da terra, introdução de transgênicos, mecanização e, também, deslocamento de populações que migraram para os centros urbanos. Há, aqui, evidentemente, todo o aspecto destrutivo que é criador de novas relações socioeconômicas, que tornaram possível que o Brasil se fizesse um grande exportador de commodities e player internacional. Ora, o que faz o MST? Fixa-se apenas no aspecto da destruição operada, procurando, com sua concepção marxista, criar condições de inviabilização da propriedade privada, da moderna exploração agrícola e do agronegócio. Não percebe - ou não quer aceitar - que foi o próprio capitalismo que eliminou o "latifúndio improdutivo". Conseqüentemente, o seu objeto de luta se torna o "capitalismo" e o "agronegócio".

Boa parte dos conflitos fundiários que o Brasil vive atualmente é decorrente do governo anterior, pelo desconhecimento que tinha da verdadeira natureza - digamos leninista, revolucionária - do MST. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, em seu livro "A Arte da Política", escreve: "Nem sequer o MST se afirma abertamente socialista, e muito menos comunista." A simples leitura dos documentos do MST e de seus textos didáticos sinaliza claramente essa orientação socialista e/ou comunista como se queira chamá-la. Um setor tucano foi capturado pelo discurso da "justiça social", da "reforma agrária", como se esse fosse puro e evangélico, não encobrindo todo um projeto autoritário, se não totalitário.

Livre em seus movimentos sob o governo Lula, o MST deu pleno curso a suas ações, voltando-se mais diretamente contra as empresas capitalistas, de preferência as mais modernas, abandonando progressivamente a bandeira do "latifúndio improdutivo". Essa organização política passou a assumir cada vez mais claramente, publicamente, e não apenas intramuros, para os seus militantes, o seu caráter visceralmente anticapitalista e pró-socialista/autoritário. Suas bandeiras são, agora, as lutas contra o lucro, o agronegócio, as exportações, o modelo econômico, o "neoliberalismo" O seu instrumento ideológico de ação é a relativização da propriedade privada, produzindo a insegurança jurídica e violando sistematicamente o estado de direito.

DENIS LERRER ROSENFIELD é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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