Título: Lei seca e dura de pegar
Autor: Damasceno,N|atanael ; Duran, Sergio
Fonte: O Globo, 23/06/2008, O Globo, p. 8
Ochopinho vai esquentar até se enquadrar na lei. O primeiro fim de semana de vigência da lei federal de tolerância zero a quem bebe qualquer quantidade de álcool e depois dirige ¿ além da proibição municipal do fumo em bares e outros estabelecimentos coletivos fechados ¿ mostrou que, embora o comportamento dos cariocas já tenha começado a dar sinais de mudança, vai ser preciso ainda muito rigor na fiscalização para acabar com a boemia dos que insistem em desrespeitar as normas.
A família do mergulhador Jorge Noronha, de 46 anos, por exemplo, aplaude a medida, adotada para tentar reduzir os acidentes de trânsito causados por embriaguez. O grupo, que comemorava sábado à noite, na Lapa, o aniversário do irmão de Jorge, deixou as chaves na mão do sobrinho Leandro de Miranda, de 20 anos, o único que só tomou guaraná.
¿ A lei é muito acertada. Acho que as pessoas têm de respeitar o próximo e dirigir com responsabilidade ¿ disse Jorge.
Mas nem todos concordam. Ao sair ontem à tarde de uma churrascaria no Flamengo onde almoçara com a mulher, o microempresário Luciel Custódio disse que não vai ficar sem beber uma taça de vinho por refeição, como faz há oito anos, por recomendação médica:
¿ A lei é um exagero, além de ser impossível fiscalizar.
No mesmo bairro, Sebastião Cícero de Souza, gerente do Planalto do Chopp, reclamou que a lei federal, somada à proibição do cigarro, prejudica os comerciantes. Ele diz que prefere ser multado a perder sua clientela de fumantes:
¿ Setenta por cento da minha clientela é fumante. Já dividimos as áreas para que ninguém se sinta incomodado. Agora ninguém no almoço pode tomar um chope e voltar com a família de carro? Tem que ser estabelecida uma diferença entre quem bebe muito e dirige e quem tem responsabilidade.
Taxistas: movimento não aumentou
Na Lapa, no sábado à noite, o assunto virou discussão de mesa de bar entre dois amigos ¿ um analista financeiro de 41 anos e um comerciante de 33 anos. Eles não quiseram se identificar porque, mesmo bebendo cerveja, não abririam mão de voltar para casa, na Zona Norte, dirigindo. Apesar de desafiar a lei, o analista financeiro a considera necessária diante do crescimento da violência no trânsito. Para o amigo, porém, a medida será mais um pretexto para que os motoristas sejam achacados por maus policiais:
¿ Quem criou essa lei tinha que se preocupar é com alimentação, saúde e, principalmente, educação. Eles tinham é que fazer uma campanha educativa junto aos motoristas mais jovens, que são mais irresponsáveis. Estendendo isso a todos, vão fechar todos os bares da cidade. A gente paga tanto imposto para ter carro e agora tem que andar de táxi?
Já o amigo lembrou que muita gente está morrendo por misturar álcool e direção.
¿ É claro que você tem o direito de se divertir, mas sua diversão não pode interferir no direito dos outros à vida. Por isso, ou você cria uma lei como essa ou faz qualquer outra coisa ¿ disse o analista financeiro, acirrando a discussão.
Apesar do embate, numa coisa eles concordaram: a lei não vai pegar.
¿ Primeiro porque não haverá fiscalização. Depois porque, infelizmente, o brasileiro acha que a lei só é feita para os outros, nunca para si ¿ resumiu um dos rapazes.
Para os taxistas que faziam fila nas portas de bares e casas noturnas, a atitude dos jovens que freqüentam a Lapa não mudou ¿ pelo menos ainda. Apesar de a lei seca ter entrado em vigor, eles não observaram um aumento no número de clientes. Para Silvio Burlamaqui, de 51 anos, 15 deles como motorista de praça, o problema está na falta de seriedade dos órgãos responsáveis por autuar os motoristas que bebem.
¿ Não há educação e muito menos fiscalização. E, enquanto não houver, vão continuar bebendo e dirigindo ¿ lamentou Silvio.
Presidente da Associação de Vítimas de Acidentes de Trânsito (Avita), Vera Lúcia Alves vê a lei com bons olhos, mas também observa que é preciso um trabalho de conscientização dos motoristas e também dos agentes de fiscalização:
¿ É preciso conscientização de ambas as partes. Do motorista, porque senão não adianta criar mil leis com mil punições, e de quem vai fiscalizar, para que tenha a consciência de que é preciso punir. Só assim a lei dá resultado.
Especialistas como o estudioso de segurança do trânsito Milton Corrêa, que coordenou o Programa de Redução de Acidentes de Trânsito do Ministério dos Transportes, o direito coletivo prevalece sobre o individual:
¿ Precisamos mudar o comportamento da população, pois estamos tratando de um dos problemas mais graves e das maiores ameaças no trânsito no mundo inteiro.
O escritor João Ubaldo Ribeiro lamenta que o carioca tenha que se resignar às restrições, seguindo uma tendência já adotada em países de Primeiro Mundo:
¿ O brasileiro, de modo geral, tem uma atitude de colonizado e imitador. Essas restrições vêm ocorrendo no mundo inteiro. Chegou a hora de adotarmos isso. Parece que assim também somos desenvolvidos.