Título: Fraudes contra 200 obras do PAC
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 21/06/2008, O País, p. 3

PF prende 26 pessoas e vasculha gabinetes de deputados na maior operação do ano.

APolícia Federal prendeu ontem 26 empresários, lobistas e servidores públicos e apreendeu documentos nos gabinetes dos deputados João Magalhães (PMDB-MG) e Ademir Camilo (PDT-MG). Eles são acusados de desviar recursos destinados à construção de casas populares e escolas, entre outras obras de caráter social. Boa parte da verba desviada é do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Pelos cálculos da PF, o governo chegou a liberar R$700 milhões para as 200 obras fraudadas, e estava prestes fazer o repasse de mais R$2 bilhões. Entre os presos há dois funcionários do Ministério das Cidades.

Na relação de cidades com obras investigadas estão São Paulo, Goiânia e Palmas. No Rio de Janeiro, foram feitas operações de busca e apreensão nas prefeituras de Belford Roxo, Angra dos Reis e Cabo Frio. As fraudes atingem municípios em sete estados: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Tocantins, São Paulo, Espírito Santo e Rio Grande do Norte.

A PF ainda não sabe qual o montante desviado. Mas relatório reservado da Polícia Federal informa que os deputados investigados cobravam até 10% dos valores das emendas apresentadas para as obras superfaturadas. Na chamada Operação João de Barro, a polícia apreendeu documentos ainda no Ministério das Cidades e em 119 prefeituras. As obras estão orçadas em mais de R$2,7 bilhões.

A PF pediu ao Tribunal Regional da 1ª Região a prisão de prefeitos que estariam envolvidos com as fraudes. O tribunal ainda não deliberou sobre os pedidos.

No Congresso, busca em gabinetes

No Congresso, a polícia vasculhou os gabinetes dos deputados federais João Magalhães e Ademir Camilo com autorização do ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal (STF). As buscas foram sugeridas pela PF endossadas pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Peluso desmembrou a investigação e, a partir daí, coube à Justiça Federal de Governador Valadares, em Minas Gerais, decretar a prisão de 38 empresários, servidores e lobistas supostamente envolvidos nas fraudes.

Até o fim da tarde, a PF prendeu 26 acusados. Entre os presos estão Luiz Cláudio Vasconcelos, assessor da Secretaria de Saneamento do Ministério das Cidades; Frederico Carlos Soares, gerente de projetos de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades; Otávio Augusto Gonçalves Jardim, funcionário da Secretaria do Tesouro Nacional; e Alexandre Isaac Freire, servidor da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco.

Segundo a PF, o grupo de parlamentares, prefeitos, servidores públicos e empresários montou um forte esquema com base operacional em Minas Gerais, mas de âmbito nacional, para desviar dinheiro do Orçamento da União e de financiamentos da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O grupo é acusado de fraudar licitações e superfaturar obras de escolas, casas populares, praças e instalação de redes de esgoto. Um dos golpes mais comuns era usar material de qualidade muito inferior ao estabelecido em contrato. A diferença entre o valor real e as despesas era dividida entre os fraudadores. ¿Quando as verbas são disponibilizadas aos municípios, o parlamentar exige dos prefeitos um percentual sobre o valor levantado; normalmente em torno de 10%¿, informa relatório reservado da PF.

Para a polícia, as informações já levantadas são suficientes para indiciar os parlamentares por corrupção, concussão, formação de quadrilha e tráfico de influência. A decisão do indiciamento cabe ao procurador-geral da República. O superintendente da PF em Minas, David Salem, disse que só não foi pedida a prisão dos deputados porque eles têm prerrogativas especiais. Parlamentares só podem ser presos em flagrante. Os servidores do Ministério das Cidades, Codevasf e Tesouro Nacional são acusados de fornecer informações privilegiadas e apressar a tramitação de projetos e a liberação de verbas para as obras.

Ministério diz que demitiu servidores

As investigações começaram em 2006, a partir de um relatório do Tribunal de Contas da União sobre supostas irregularidades em obras executadas por prefeituras de Minas Gerais. A partir daí, a polícia descobriu o suposto envolvimento de Ademir Camilo e João Magalhães com o esquema. Com escutas telefônicas e outras técnicas de investigação, a polícia encontrou ainda indícios de fraudes similares em municípios do Rio de Janeiro, Goiás, Tocantins, São Paulo e Espírito Santo. A organização, que contava com o envolvimento de 63 empresas, estava em atividade há mais de seis anos.

¿ O mais importante é que, com essa operação, evitamos um desvio muito maior do que o que já foi apurado até o momento ¿ afirmou o diretor-executivo da PF, Romero Menezes.

O Ministério das Cidades informou que demitiu dois funcionários supostamente envolvidos com as fraudes, Luiz Cláudio e Frederico Carlos Soares. Em nota, o ministério sustenta que ¿não firma contratos com prefeituras nem com governos estaduais, sendo essa atribuição específica de instituição financeira mandatária, como a Caixa Econômica Federal¿. A prefeitura de Angra dos Reis alegou que não usou verbas federais para nenhum de seus empreendimentos, exceto o Condomínio Vertical de Jacuecanga, cuja prestação de contas estava marcada para o próximo dia 24, dentro do prazo legal. ¿Mesmo assim, houve a apreensão de 23 processos que podem prejudicar o andamento das obras e a prestação de serviços¿, protestou, em nota.

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