Título: Sob suspeita, índice de inflação acaba na justiça
Autor: Figueiredo, Janaína ; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 21/06/2008, Economia, p. 27

Alvo de intervenção do governo, Indec (o IBGE do país vizinho) perde credibilidade interna e externamente

Janaína Figueiredo* e Eliane Oliveira**

BUENOS AIRES. O Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) da Argentina se tornou uma das principais pedras no sapato da presidente Cristina Kirchner. Desde que a instituição ¿ que antes da crise tinha peso similar ao do IBGE no Brasil ¿ foi alvo de uma intervenção, em janeiro do ano passado, ainda na gestão de Néstor Kirchner, chovem acusações que vão desde a manipulação de dados à falta de transparência, sobretudo quando o tema é inflação.

No primeiro mês de intervenção, os problemas passaram a ser evidentes. Segundo funcionários do Indec que trabalhavam na equipe encarregada de calcular a inflação, em janeiro de 2007 o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) subiu 1,9%. O Indec divulgou que a alta fora de apenas 1,1%.

¿ Começamos a ver que alguns preços recolhidos nos supermercados não eram incluídos no cálculo final da inflação e fomos falar com as autoridades do instituto. Imediatamente fomos transferidos para outro setor ¿ disse Marcela Almeida, ex-técnica do grupo que calcula o IPC e atual dirigente da Associação de Trabalhadores do Estado (ATE).

Marcela continua trabalhando no Indec, apesar de ter prestado depoimento na Justiça contra a atuação dos novos dirigentes do órgão.

¿ Queremos que o governo ponha fim à intervenção, porque essa seria a única maneira de recuperar o prestígio do Indec ¿ disse ela.

No ano passado, até mesmo autoridades de institutos de estatísticas provinciais denunciaram a manipulação dos dados do Indec. Em agosto de 2007, a ex-diretora de estatísticas da província de Mendoza Patricia Giménez informou que naquele mês a inflação de sua província tinha alcançado 3,1%, bem acima do 1,5% informado pelo organismo nacional. Pouco depois, Patricia foi afastada do cargo. O caso também está na Justiça.

¿ Quando um país manipula a taxa de inflação, todos os demais dados passam a ser questionados, sobretudo as taxas de pobreza e indigência ¿ disse Patricia.

¿ No ano passado, pela primeira vez a Latin American Consensus, que todos os anos elabora estatísticas dos países da região, nos perguntou qual era nossa estimativa de taxa real de inflação. O IPC do Indec perdeu credibilidade ¿ disse Marina Dal Poggetto, diretora da consultoria Miguel Bein, de Buenos Aires.

Economistas projetam inflação de até 30%

A média das principais empresas de consultoria do país, segundo Marina, foi de 19,6%. Em meio a uma enxurrada de críticas, até mesmo de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Casa Rosada decidiu elaborar uma nova metodologia de cálculo do IPC, que estreou em maio passado.

¿ A nova metodologia não foi bem explicada e ainda existem dúvidas em relação à atuação do Indec ¿ disse Marina.

Para o economista brasileiro Cristiano Souza, do ABN Amro, não é mais possível ter uma avaliação precisa da realidade argentina. Sua estimativa é que a inflação no país em 2007 tenha sido de 17,5%. Ele disse que, no país vizinho, há economistas que projetam um IPC de até 30%.

Francisco de Holanda Barbosa, da Fundação Getulio Vargas, alertou que essa situação afeta a credibilidade do Indec também externamente:

¿ Não me surpreende que um governo populista queira escamotear a situação.