Título: Pacientes têm que pagar por tratamento
Autor: Vasconcellos, Fábio; Tabak, Flávio
Fonte: O Globo, 22/06/2008, O País, p. 3
Prefeitura nega ter recebido recursos de ministério para programa de saúde bucal.
Os moradores da comunidade Escadão, próxima à ONG, utilizam os serviços da Sorria Meu Rio. Um deles, que preferiu não se identificar, consultou-se no local para tratar um dente careado. Ele contou que percebeu quando a ONG se instalou na Rua General Antonio Rodrigues, no Centro de São Gonçalo, por causa do grande letreiro que anunciava o tratamento dentário. O morador disse que "ficou bobo" quando a Sorria Meu Rio chegou ao bairro, mas logo se decepcionou ao saber que precisaria pagar R$15 para se consultar, mesmo com os repasses mensais da prefeitura.
- Não tinha idéia de que cobravam. Acho que eles também deveriam oferecer serviço gratuito para adultos. Eu tratei um dente lá, mas com esse valor não voltei mais - disse o morador, sem um dente incisivo central.
A Sorria Meu Rio não permitiu a entrada da equipe de reportagem nos consultórios, mas foi possível perceber que há médicos trabalhando no local e pacientes sendo recebidos. Para ter tratamento, os moradores têm que informar o número do CPF. Crianças e adolescentes de 3 a 16 anos precisam ser de São Gonçalo para ter consultas gratuitas. Adultos podem morar em outros locais, mas têm de desembolsar R$15 para fazer extrações, obturações, raios-x, limpeza dentária, entre outros serviços.
O presidente da ONG, pastor Fausto Frederico de Sá Neto, foi procurado na sede da Sorria Meu Rio para comentar o processo do Tribunal de Contas do Estado (TCE), mas um funcionário da recepção não soube informar seu telefone, tampouco o horário de trabalho. A ONG explicou que ele não se pronunciaria pessoalmente, por telefone e nem por e-mail.
O senador Marcelo Crivella também foi insistentemente procurado para falar sobre os questionamentos do TCE, mas sua assessoria disse que não o localizou para responder às perguntas. Embora não faça mais parte da diretoria, ele explica em seu site que decidiu criar a ONG depois de ganhar, no fim de 2002, R$300 mil do "Show do milhão", programa exibido pelo SBT. Deste prêmio, R$150 mil foram enviados para o Teleton e a outra metade foi usada na criação da ONG. O senador informa no site que decidiu criar a Sorria Meu Rio durante a campanha para o Senado em 2002.
Embora tenha contratado a ONG para prestar serviço odontológico gratuito, a prefeitura de São Gonçalo recebeu cerca de R$880 mil do Ministério da Saúde para serem usados no Programa Médico de Família. O ministério confirma que enviou os recursos para pagar salários dos médicos; já a prefeitura nega ter recebido o dinheiro. No site Portal da Transparência, do governo federal, contudo, consta outra informação. Segundo os dados, os recursos foram repassados para serem aplicados na atenção à saúde bucal da população de São Gonçalo dentro do Programa Médico de Família.
Apesar de ter assinado o convênio com a ONG ligada ao senador Marcelo Crivella em 2005, a prefeitura atrasou os repasses de recursos. No dia 10 de janeiro de 2007, a prefeita Aparecida Panisset reconheceu uma dívida de R$24 mil com a Sorria Meu Rio. De acordo com o Diário Oficial, a dívida se refere aos repasses para a ONG referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2006.