Título: Sob a mira internacional
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 25/06/2008, O Globo, p. 29

Mugabe resiste a pressão crescente e mantém 2º turno de eleições tidas como fraudulentas

Fernando Duarte

Apressão diplomática sobre o Zimbábue e seu presidente, Robert Mugabe, aumentou consideravelmente ontem com a divulgação de um comunicado do CNA, partido que ocupa o governo da África do Sul, o principal aliado de Mugabe, em que a legenda se diz chocada pelas ações do ditador para assegurar mais um mandato nas eleições presidenciais de sexta-feira. O comunicado foi a mais forte manifestação contra o presidente zimbabuano vinda da África do Sul e se juntou a críticas feitas também pelos presidentes do CNA, Jacob Zuma, e do Senegal, Abdoulaye Wade. Zuma pediu uma intervenção urgente da ONU e da Comunidade para o Desenvolvimento dos Países do Sul da África (SADC), bloco que reúne 15 países do continente.

Por sinal, a SADC anunciou a realização de uma reunião de emergência hoje em Mbabane, capital da Suazilândia, para discutir a escalada da violência no Zimbábue. Mais pressão veio do Conselho de Segurança da ONU, que ameaçou o país com sanções não especificadas caso Mugabe ignore a decisão do órgão de considerar impossível que o pleito presidencial zimbabuano ocorra de maneira justa e legítima. China e Rússia, países que anteriormente rechaçavam esse tipo de ação, desta vez respaldaram o texto.

Presidente mantém tom desafiador

Mugabe, porém, ontem fez pouco caso das críticas, dizendo que a eleição será realizada na sexta-feira mesmo depois de seu adversário, Morgan Tsvangirai, ter se retirado da disputa em protesto contra o que classificou como uma campanha de intimidação por parte do regime. Mugabe disse acreditar que tem obrigação de levar adiante o segundo turno.

¿ Podem gritar o quanto quiserem de Washington e Londres ou qualquer outro lugar. Nosso povo é que vai decidir o destino do país, e ninguém mais ¿ disse o presidente durante um comício na cidade de Banket. ¿ Aqueles que quiserem reconhecer nossa legitimidade podem fazê-lo, aqueles que não querem não deveriam (fazê-lo).

Porém, os acontecimentos de ontem mostram que não apenas americanos e britânicos estão dispostos a isolar Mugabe, no poder desde 1980, ano em que o país tornou-se independente do Reino Unido. O comunicado do CNA, por exemplo, dizia que a antiga legenda de Nelson Mandela não poderia fechar os olhos paras ¿as flagrantes violações de todos os princípios básicos da governança democrática e as evidências de violência, intimidação e terror¿ no país. Falta, porém, um pronunciamento do atual presidente sul-africano, Thabo Mbeki, que tem sistematicamente ignorado os pedidos da comunidade internacional por uma postura mais rígida.

¿ Mbeki e os principais países africanos são fundamentais para qualquer esperança de resolução dessa catástrofe, pois Mugabe não dá a mínima para o que a ONU diz, mas certamente se sentiria pressionado com críticas vindas do próprio continente e de países que considera aliados ¿ afirma Knox Chitiyo, diretor do programa de estudos africanos do Rusi, um dos mais respeitados centro de estudos de relações internacionais do mundo.

A violência cresceu principalmente depois do resultado do primeiro turno das eleições presidenciais, realizado no final de março junto com o pleito parlamentar, em que Mugabe e seu partido, o Zanu-PF, perderam a maioria no congresso para o MDC, de Tsvangirai, que também ficou à frente do atual presidente na contagem de votos. O líder opositor está refugiado na embaixada holandesa em Harare, a capital do país, temendo por sua vida.

Embora o pronunciamento do Conselho de Segurança não tenha especificado que tipo de sanções aplicaria, analistas não crêem em restrições econômicas, que nada ajudariam a situação de um país às voltas com uma crise marcada por hiperinflação, escassez crônica de alimentos ¿ de acordo com agências internacionais, pelo menos um terço dos 13 milhões habitantes do país vive na miséria ¿ e um índice de desemprego de 80%.

Tampouco cogita-se uma intervenção militar, apesar de especialistas em assuntos políticos africanos, como o sul-africano Laurence Caromba, da Universidade de Pretória, defenderem que a ameaça de uso da força possa servir para intimidar o até agora aparentemente inabalável Mugabe.

¿ Os estatutos da União Africana permitem intervenções em países enfrentando sérias ameaças à ordem, e é preciso que não se esqueça de que essa opção existe para se lidar com o Zimbábue ¿ afirma Caromba.

A idéia, no entanto, esbarra numa série de poréns operacionais e, especialmente, ideológicos: Mugabe ainda é visto por africanos como o herói da revolta que pôs fim ao domínio colonial britânico sobre o Zimbábue, até porque ele passou 10 anos preso por ordem do regime racista do primeiro-ministro branco Ian Smith e não pôde comparecer ao funeral de um de seus filhos enquanto esteve trancafiado.

¿ Não é o momento sequer de se cogitar uma intervenção militar, tanto pelo fato de que Mugabe pode se fazer de vítima aos olhos dos africanos quanto pelo estrago que as campanhas lideradas por EUA e Reino Unido no Afeganistão e no Iraque provocaram na credibilidade em operações humanitárias. É preciso que se busque uma solução diplomática e política para esse impasse ¿ explica Chitiyo.