Título: Obra embargada na Providência
Autor: Costa, Ana Cláudia; Bottari, Elenilce
Fonte: O Globo, 25/06/2008, Rio, p. 13
Juiz diz que reforma de casas é irregular, por ter sido contratada em ano eleitoral e beneficiar Crivella
Ana Cláudia Costa e Elenilce Bottari
OTribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) embargou ontem as obras do projeto Cimento Social, no Morro da Providência, no Centro, onde moravam os três jovens que foram torturados e mortos por traficantes do Morro da Mineira, no Catumbi, aos quais foram entregues por militares do Exército. Segundo o juiz Fábio Uchôa, responsável pela fiscalização da propaganda eleitoral no município do Rio, a reforma de 728 casas da favela - implementada a partir de um acordo de cooperação técnica entre os ministérios das Cidades e da Defesa, assinado em 31 de janeiro passado - é irregular porque foi contratada durante ano eleitoral, o que é vedado pela Constituição e fere o princípio de igualdade entre candidatos.
Em sua decisão, o juiz apontou ainda a utilização do projeto na campanha eleitoral do pré-candidato Marcelo Crivella à prefeitura do Rio pelo PRB. Fiscais apreenderam cartões e panfletos com dados do projeto e fotos do senador. Segundo o magistrado, a obra beneficia diretamente Crivella. "O referido acordo que implementou as obras no Morro da Providência e que vem potencializando o nome do pré-candidato Marcelo Crivella, em detrimento dos demais interessados no pleito, foi celebrado ao arrepio da lei, já que firmado em 31 de janeiro de 2008, em pleno exercício de ano eleitoral, violando, assim, flagrantemente o disposto na lei" , conclui o juiz.
O artigo 73, § 10, da lei 9.504/97 (que estabelece as normas da eleição), diz que, no ano em que se realiza uma eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.
Candidatura pode até ser cassada
O caso será remetido para o Ministério Público eleitoral no estado e para o procurador regional eleitoral, Rogério Nascimento. Caso seja comprovado o abuso de poder econômico (utilização da máquina pública em benefício da campanha do candidato), o senador responderá por crime eleitoral e pode até ter o registro de sua candidatura cassado. Segundo Uchôa, os responsáveis pelo acordo no governo federal também poderão responder a processo.
O juiz determinou ainda que o senador esclareça, num prazo de 48 horas, se teve qualquer ingerência na celebração do acordo de cooperação técnica do governo federal. Também ordenou que Crivella se abstenha de distribuir cartões e panfletos de propaganda sobre o projeto com o seu nome. A Justiça Eleitoral determinou ainda que todo o material de propaganda existente seja entregue à fiscalização.
Em entrevista, Uchôa informou que as investigações sobre as irregularidades da obra começaram em maio, em razão de uma denúncia anônima feita ao TRE-RJ. Segundo o magistrado, constatou-se que as páginas de Crivella na internet fazem referência ao projeto Cimento Social, que foi apresentado em forma de projeto, mas ainda não recebeu a aprovação do Congresso - portanto, ainda não virou lei:
- Para que a obra pudesse continuar, o projeto precisaria ter sido aprovado no ano passado, com dotação orçamentária prevista. Esse não é um projeto do Legislativo, e sim um programa do governo de cunho social, aprovado durante o ano eleitoral, e beneficia o pré-candidato Marcelo Crivella.
Ao tomar conhecimento da paralisação da obra, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi lacônico:
- Eu não costumo comentar decisão da Justiça. Se há decisão em uma instância, obviamente vai haver recurso. Vamos esperar que o Poder Judiciário defina.
Equipes da Justiça Eleitoral lacraram os canteiros de obras no início da manhã, pegando de surpresa os cerca de 150 operários que trabalhavam na Rua Barão da Gamboa. Revoltados, os trabalhadores, todos moradores do Morro da Providência, perguntavam o que aconteceria com o emprego que conseguiram, com carteira assinada, na obra comunitária. Equipes do TRE também retiraram da favela galhardetes de campanha da vereadora Liliam Sá (PR).
Com o embargo, cerca de 30 casas, segundo a presidente da associação de moradores, Vera Melo, ficaram inacabadas. Ontem à noite, Vera e Vander de Oliveira Dantas, representante da empreiteira Edil, responsável pela obra, foram ao TRE, onde protocolaram um pedido para que funcionários da empresa terminem, em forma de mutirão, os trabalhos nas moradias que ainda necessitam de emboço, cimento e telhado. Até o momento, 50 casas das 80 incluídas na primeira fase do projeto já ficaram prontas.
Vera e Vander foram recebidos pelo oficial de Justiça e chefe da fiscalização eleitoral, Luiz Fernando Santa Brígida. Ele se comprometeu a dar entrada no documento oficialmente na manhã de hoje, para que o recurso seja encaminhado ao juiz Fábio Uchôa, que poderá decidir se recebe o pedido ou se o encaminha para parecer do Ministério Público.
Hoje, caso a Justiça não volte atrás na decisão de suspender o projeto, operários prometem fazer uma passeata da comunidade até o TRE, para tentar sensibilizar o juiz. Segundo o encarregado dos trabalhos na Providência, Alex Oliveira dos Santos, todos vão ficar desempregados.
- Vai ficar difícil dessa forma. Vamos ter 150 desempregados e cerca de 450 pessoas, das famílias deles, passando fome - disse Alex.
Trabalhando há apenas um mês no Cimento Social, o servente de obras Eduardo Oliveira Ladislau, de 25 anos, estava desolado ontem. Após seis meses desempregado, ele disse que agora estava conseguindo pagar suas contas com o salário que vinha recebendo. Com uma mulher grávida de oito meses, Eduardo disse que não sabe o que fazer:
- Se não pode ter esse projeto, por que eles não garantem o nosso emprego trazendo para a Providência as obras do PAC?