Título: Exército começa a se retirar da Providência
Autor: Cássia, Cristiane de; Coelho, Camilo
Fonte: O Globo, 22/06/2008, Rio, p. 18

Efetivo foi reduzido a um terço, mas militares ainda são vistos nos acessos e no alto do morro, protegidos com escudos

Cristiane de Cássia, Camilo Coelho*, Marcos Nunes* e Marco Antônio Martins*

Uma semana depois da morte de três jovens do Morro da Providência, no Centro, entregues por militares a traficantes do Morro da Mineira, no Catumbi, o Exército começou a deixar, aos poucos, a comunidade. A Justiça Federal determinou anteontem que o efetivo militar ficasse restrito ao local onde acontecem obras do Projeto Cimento Social, na Rua Barão da Gamboa. Ontem, no entanto, soldados eram vistos também no acesso à favela pela Vila Portuária e na parte mais alta do morro, conhecida como Cruzeiro, protegidos com escudos.

Oficial diz que ordem judicial está sendo cumprida

O oficial que comanda as tropas da Providência neste fim de semana, coronel Silva Júnior, explicou que boa parte da tropa deixou o morro na madrugada de sábado. O efetivo estaria reduzido a cerca de um terço do que havia antes do crime contra os jovens, que levou à prisão 11 militares. O coronel garantiu que a ordem judicial não está sendo descumprida:

- Para fazer a segurança no canteiro de obras, precisamos estar em pontos mais altos, de onde haja observação. É prática normal de segurança, não estamos descumprindo a ordem.

O assassinato dos três jovens aprofundou ainda mais uma ferida, aberta há um ano, entre os generais do Exército - primeiro, pela indicação do general Enzo Peri para comandar a força; depois, porque alguns setores discordavam da ocupação da Providência.

Nesse quadro, ganha força no grupo de oficiais descontentes o general Luís Cesário da Silveira Filho, chefe do Comando Militar do Leste (CML). Ele, que está de férias no exterior, é hoje o segundo general mais antigo. O primeiro é Enzo. Entre os 13 generais do Alto Comando do Exército, há grande expectativa em torno de como será a reação de Cesário quando ele voltar de viagem.

Apesar de apoiarem publicamente o governo federal, muitos oficiais são simpáticos às idéias de Cesário. Em 2007, ele enviou um documento ao Comando do Exército em que dizia ser temerária a presença militar na favela. O general considerava arriscada a ocupação da Providência devido à proximidade com criminosos e pela possibilidade de confrontos, que poderiam pôr os moradores em risco.

Cesário deve ir para a reserva até o fim do ano. Desde janeiro de 2007, sua relação com o governo federal é conflituosa. Ao saber que o Exército não cuidaria da segurança do Pan, ele se recusou a ceder a estrutura dos quartéis do Rio para a Força Nacional de Segurança (FNS).

Para alguns militares, a escolha de tropas para ocupar o Morro da Providência soou como uma espécie de castigo imposto pelo governo ao militar.

O relatório do pedido de prisão preventiva dos 11 militares, feito pelo delegado Ricardo Dominguez, da 4ª DP (Central), e encaminhado à Justiça na quinta-feira, revela que o tenente do Exército Vinicius Ghidetti de Moraes também mentiu ao voltar para o quartel do Santo Cristo, após comandar a entrega dos três jovens para o tráfico do Morro da Mineira.

De acordo com o documento, o tenente orientou os dez militares que o acompanharam num caminhão do Exército a participar da farsa. Eles deveriam dizer que os três jovens da Providência haviam sido libertados no Sambódromo.

Ao ser perguntado pelo capitão Laerte Ferrari Alves, no quartel do Santo Cristo (onde funciona a Delegacia de Polícia Judiciária Militar), se a ordem para libertar Wellington Gonzaga Costa, de 20 anos, David Wilson Florêncio, de 24, e Marcos Paulo da Silva Correia, de 17, havia sido cumprida, o tenente respondeu afirmativamente. Ele disse que os rapazes tinham sido soltos no final da Avenida Presidente Vargas, no Centro.

Tenente teria mentido ao sair de quartel e na volta

O oficial havia mentido pela primeira vez pouco antes do crime. Ao sair com os jovens, no veículo do Exército, Vinicius disse ao capitão que os liberaria depois de dar uma volta em torno do quartel do Santo Cristo.

Os três jovens haviam sido presos de manhã, na Providência, após desentendimento com os militares. Segundo as investigações, o tenente Vinicius queria que os jovens fossem autuados por desacato. O capitão, porém, determinou que todos fossem libertados. O tenente preferiu entregar as vítimas a traficantes da favela dominada por uma facção rival da que controla a Providência.

* Do Extra