Título: Um "xis" em Meirelles
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 15/05/2009, Política, p. 04

Agora, se a Selic não cair, a culpa política será do presidente do BC. Vamos ver como ele se sai nessa corrida de profissionais Escrevi aqui outro dia que Henrique Meirelles vinha aplicando um olé em Luiz Inácio Lula da Silva no debate sobre a relação entre a taxa de juros e a remuneração da caderneta de poupança. O presidente do Banco Central firmara na opinião pública a tese de que a Selic só não cai mais para o dinheiro não migrar em massa rumo à caderneta, secando a fonte de recursos para rolar a dívida pública.

Lula, que não nasceu ontem, deu o troco. Um ¿xis¿ como aqueles da Fórmula 1. Meirelles passou Lula, mas não conseguiu manter a ponta e levou a ultrapassagem na sequência. O presidente da República enfim tomou uma medida sobre a poupança. Se foi ou não a melhor possível, é relativo. Ele fez o que lhe pareceu politicamente menos danoso. Governos agem politicamente. Sempre.

Agora, se a Selic não cair, a culpa política será de Meirelles. Vamos ver como o presidente do BC se sai nessa corrida de profissionais. O fato é que o Banco Central vem agindo atrasada e timidamente desde setembro, quando o Lehman Brothers quebrou. O BC preocupou-se durante meses com um ¿risco inflacionário¿ inexistente e só resolveu correr depois dos números desastrosos do PIB do quarto trimestre de 2008.

Escrevi ¿correr¿? Exagero meu. Com a inflação despencando, os movimentos recentes do BC para evitar uma crise de liquidez não merecem ser classificados como corrida. Quem sabe um modesto trote? Colunas como esta adoram trazer ideias originais. Mas quando o tema são os juros brasileiros fica difícil. Hoje se completam oito meses desde o colapso da finança mundial. Graças também ao BC, a discussão está no seguinte pé: em 2009, o Brasil vai crescer algo como 0,5% ou recuar esse mesmo tanto? Uma dúvida deprimente.

Para nossa sorte, existe a China, que não se conformou com o afundamento do mercado externo e decidiu voltar-se para dentro. Puxados pelo belo consumo chinês, talvez o nosso ano não vá ser mesmo tão ruim. De chato, só o fato de mais uma vez dependermos de outro país num momento crítico. Nossa dependência é um traço histórico conhecido. Desde o Descobrimento, ancoramo-nos sucessivamente em Portugal, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Será que agora vamos depender da China num grau maior do que seria razoável para quem está na bica de ser uma potência do século 21?

O governo Lula orgulha-se, com razão, de ter tirado da pobreza milhões de brasileiros. Um importante instrumento foram os programas de renda mínima. Infelizmente porém, o governo do PT não avançou mais do que os anteriores em algo essencial para a expansão do mercado interno: a ampliação mais acelerada do direito de propriedade. Com patrimônio próprio, a pessoa pode se endividar a custos menores, pode investir, pode ingressar no mercado de modo consistente, sem depender do governo.

Nisso, os chineses (e os indianos) têm sido bem melhores do que nós.