Título: O apetite dos estrangeiros por terra e petróleo
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 22/06/2008, Economia, p. 36

Ipea mostra que, em 7 anos, a cifra passou de US$2,4 bi para US$13,1 bi em investimentos no setor primário

Patrícia Duarte

BRASÍLIA. O processo de internacionalização da economia brasileira entrou numa nova era neste início de século XXI. Estudo inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que, pela primeira vez, o investimento estrangeiro direto (IED) nas atividades agrícola, de mineração e de petróleo - o setor primário - cresce a um ritmo superior ao dos ramos industrial e de serviços. Até 2000, o setor primário participava com apenas 2,3% do total desses recursos. Em 2007, encostou em 14%. A arrancada coincide com o momento em que o país planeja se tornar o maior player agrícola do mundo, em meio às intensas discussões sobre produção de alimentos, biocombustíveis e mineração.

Apesar de a participação do setor primário ainda ser pequena em relação à das demais atividades, houve salto de exatos 500% em sete anos, de 2,3% para 13,8% do total dos investimentos. Em números, o estoque permaneceu em US$2,4 bilhões até 2000 e pulou para US$13,1 bilhões de 2001 a 2007, com alta de 445%. A indústria recebeu US$79,7 bilhões entre 2001 e 2007, mas a expansão foi de 33,4%.

Biocombustíveis vão ganhar força, diz Sobeet

A atração que a agricultura e o extrativismo mineral brasileiros exercem nos investidores é explicada pelo verdadeiro boom, nos últimos meses, nos preços internacionais das principais commodities, encontradas de maneira abundante no Brasil.

Não por menos, o grande avanço do IED dentro do setor primário foi para o segmento de mineração, que respondeu por 71% do total recebido no ano passado. Em 2000, absorvia apenas 41,5%. E o ritmo deve se manter acelerado.

- O Brasil ainda tem um rastreamento geológico insuficiente, e nós sabemos que há muita riqueza mineral para ser descoberta - disse o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Paulo Penna.

O interesse é tanto que, somente no último ano, a entidade refez por três vezes suas projeções de investimentos na área para os próximos cinco anos, que passaram de US$25 bilhões para US$47 bilhões. Pelo menos um quarto desse volume virá de fora, de multinacionais que vão aterrissar aqui ou já estão atuando no Brasil.

O interesse dos investidores internacionais no setor primário brasileiro acompanha uma tendência mundial, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Luis Afonso Lima. Para ele, mineração e petróleo são os grandes destaques hoje no recebimento de recursos externos, mas o ramo agrícola, com foco na produção de biocombustíveis, também vai ganhar corpo.

Muitas empresas, e até fundos de investimentos, já estão trazendo recursos para o país com essa finalidade. O grupo britânico Clean Energy Brazil, por exemplo, já desembolsou US$214 milhões no setor sucroalcooleiro do Brasil em cerca de um ano, com a aquisição de participações acionárias ou o controle total de três usinas de etanol, açúcar e energia. O presidente da empresa, Marcelo Junqueira, explica que também são feitos investimentos nas plantações de cana-de-açúcar das fazendas arrendadas pelas usinas, ajudando na transferência ou no fortalecimento das tecnologias de produção.

- As commodities estão com os preços subindo muito rapidamente no mundo todo. Estamos aproveitando esse momento - resume Junqueira, que comanda uma empresa criada no fim de 2006 na Bolsa de Londres com o objetivo exclusivo de atuar nesse ramo brasileiro.

Presidente do Ipea alerta para desnacionalização

Mas a entrada maciça de recursos internacionais pode ter seu lado negativo. Para o presidente do Ipea, Márcio Pochmann, o novo cenário requer cuidados, por causa da desnacionalização que pode ser gerada. Ele defende mais políticas de fortalecimento das empresas brasileiras. Além disso, Pochmann teme pelos empregos, argumentando que, apesar dos recursos de fora que entram no setor primário brasileiro, o nível de ocupação não segue o mesmo ritmo.

- Se continuar nesse ritmo de investimentos de fora, o Brasil ficará sem grandes empresas para competir mundialmente. Nossa tecnologia pode ficar em segundo plano - afirma Pochmann.

Neste século, por exemplo, o número de trabalhadores com carteira assinada no setor cresceu apenas 15,94%, enquanto na atividade de serviços o avanço foi de 45,56%. Se forem considerados todos os trabalhadores, com ou sem carteira de trabalho, a situação fica mais sensível: no setor primário, o número de vagas recuou 8,08% no período. O presidente do Ipea reconhece, no entanto, que a entrada de recursos ajuda a aumentar a produção local.

Lima, da Sobeet, discorda da preocupação e diz que esses recursos são sempre bem-vindos por diversas razões: ajudam a equilibrar o balanço de pagamentos do país; aumentam a oferta de produtos e, portanto, ajudam no combate à inflação; e, principalmente, alimentam a transferência de tecnologia.