Título: Gol vai à Justiça para cobrar dinheiro da Varig
Autor: Suwwan, Leila; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 22/06/2008, Economia, p. 38
Empresa pede na Câmara de Comércio Internacional a devolução de metade dos US$320 milhões pagos à VarigLog
Leila Suwwan e Henrique Gomes Batista
BRASÍLIA. Dez meses depois de fechar o maior negócio do mercado da aviação civil brasileira, a Gol ingressou em janeiro deste ano com um pedido de arbitragem na Câmara de Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês) para cobrar a devolução de metade dos US$320 milhões pagos à VarigLog para comprar a Nova Varig. A segunda maior companhia aérea do Brasil cobra ressarcimento por superavaliação dos ativos adquiridos, em março de 2007, do fundo americano Matlin Patterson, controlador indireto da VarigLog por meio da Volo do Brasil.
Na prática, a manobra da Gol arrastou para cortes internacionais a polêmica que envolve o "salvamento da Varig", intermediado pelo escritório de Roberto Teixeira, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e sob suspeita de ingerência do Planalto. O gabinete presidencial foi palco para comemoração da transação pelos empresários e seus advogados.
A envergadura da disputa levou o Matlin Patterson a reagir e acionar, em um processo concomitante, a Justiça de Nova York. O fundo sustenta que não pode ser acionado nessa disputa, pois não é o vendedor da Varig. A Corte americana já teria negado uma primeira liminar. Se mantiver o Matlin na arbitragem, reforçará o entendimento de que os estrangeiros são controladores de fato da VarigLog.
Genro de Teixeira representa Volo e Matlin
Apesar de estar em fase preliminar, a disputa na CCI e na Justiça americana promete ofuscar a briga na Corte federal de São Paulo e as discussões na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que informalmente já dá sinais de que não vai interferir no negócio. Corre apenas um prazo de adequação do limite do capital estrangeiro concedido à VarigLog (de cargas), que vence em 7 de julho.
O GLOBO obteve documento da CCI, de 4 de fevereiro deste ano, que confirma o pedido de arbitragem feito pela GTI, subsidiária da Gol criada para gerir a Varig. Os três árbitros indicados são os brasileiros Pedro Batista Martins e Gustavo Tepedino e o espanhol Juan Fernandez Armesto - todos advogados e professores especializados em disputas empresariais. Para garantir o andamento do processo de arbitragem, a Gol foi instada a depositar uma "entrada" de custos de US$157,5 mil.
- Na arbitragem, existe uma cláusula de confidencialidade. Somos um painel de especialistas indicado pela CCI e não podemos comentar nada sobre o assunto - explicou Martins.
No embate arbitral, representa a GTI Flávio Pereira Lima, do Mattos Filho Advogados. Em defesa de VarigLog, Volo do Brasil, Volo Logistics LLC, Matlin Patterson e sua subsidiária nas Ilhas Cayman está Cristiano Martins, genro de Roberto Teixeira. Ambos foram contactados na sexta-feira pelo GLOBO, mas se recusaram a prestar esclarecimentos devido ao sigilo das ações.
A superavaliação de ativos e a existência de dívidas ocultas na Varig foram detectadas na primeira revisão do contrato de venda, que tinha cláusula de reavaliação e ajuste do preço. Segundo o balanço do primeiro trimestre de 2008, o grupo Gol contabilizou novos passivos, de US$97 milhões, na Varig.
Briga de sócios e denúncias complicam situação
Segundo fontes, a Gol entende - e quer provar - que o Matlin obteve "vantagem financeira", ou seja, ficou com os lucros que deveriam ser da Volo do Brasil, a oficial dona do negócio. Ao mesmo tempo, capitalizou a Varig para a venda sem aportes devidos, e com vários empréstimos que começam a vencer.
A CCI foi acionada porque não houve acordo para a devolução dos pagamentos. A essa altura, a Volo do Brasil já estava abalada com a briga de sócios, que incluiu uma corrida para sacar o valor pago em dinheiro pela Gol, cerca de US$100 milhões, transferidos para uma conta na Suíça. O valor está agora bloqueado, mas o Matlin tentou retirar o dinheiro, por meio do escritório de Teixeira Martins.
Preocupada com a repercussão do caso, a Gol publicou anúncios em jornais tentando se desvincular do escritório Teixeira Martins e afirmando que o preço de compra, US$320 milhões, era "compatível com os estudos realizados à época" e que a "aquisição da Varig foi conduzida com ética, transparência e dentro da legalidade".
Porém, após as denúncias da ex-diretora da Anac Denise Abreu de ingerência política do Planalto no caso Varig, o negócio ficou na berlinda. Há evidências de fraude em 2006 para viabilizar a aprovação de venda da VarigLog para a Volo do Brasil. Na época, o escritório de Teixeira atestou à Anac não haver qualquer instrumento legal que, na prática, transferisse o controle da empresa para estrangeiros, acima do limite legal de 20%. O GLOBO comprovou a existência de ao menos três documentos, omitidos da Anac.
Custo para absorver Varig pesou no prejuízo da Gol
A compra da Varig acelerou a deterioração financeira da Gol, que, desde seu início, em 2001 , cresceu com base em uma estrutura enxuta. De lucros de 15% em 2006, a empresa registrou prejuízo de R$74,1 milhões no primeiro trimestre de 2008 - segundo resultado negativo seguido. No mesmo período de 2007, lucrou R$91,58 milhões.
Especialistas e a Gol confirmam que os prejuízos foram causados pelos altos custos de absorção da Varig e com aluguel de aeronaves. As rotas internacionais da Varig - para Frankfurt, Londres, Paris, Madri, Roma e Cidade do México -, vistas como caminho para internacionalizar a Gol, foram desativadas esse ano, encerrando a atuação na Europa e nos EUA.
A demora do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em apreciar a compra também é alegada como motivo para falta de sinergia, além de problemas para oferecer serviços mais sofisticados e administrar o programa de milhagem. O mercado sentiu os problemas. Na época da compra da Varig, em março do ano passado, as ações da Gol eram negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) a cerca de R$60. Hoje, valem R$20,28, 66% a menos.
A disparada do petróleo (base do querosene de aviação) e a redução na taxa de ocupação de vôos (73,1% em 2006 para 66% em 2007) e do uso dos aviões (14,2 horas por dia para 13,8) são fatores adicionais do chamado "inferno astral" da Gol.