Título: O fator do voto negro nos EUA
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 22/06/2008, O Mundo, p. 41

Campanhas questionam se existem reivindicações comuns ao eleitorado

Marília Martins

Acapacidade de um negro eleger-se presidente tem sido um dos pontos mais discutidos na campanha. Muitos analistas consideram que a vitória de Barack Obama nas primárias deveu-se ao impressionante apoio do eleitorado negro à sua candidatura, sobretudo nos estados do Sul. Mas, agora que ele é o candidato democrata, perguntam-se sobre a força dos votos negros no conjunto do eleitorado americano. Mais do que isto: será que existe uma plataforma de reivindicações que faz com que os negros votem unidos?

Há quem diga que os negros ainda lutam por igualdade de oportunidades. A líder comunitária Edith Childs define Greenwood, na Carolina do Sul, como uma cidade onde a segregação é silenciosa. Não é, nem pode ser, oficial, mas ela está nos detalhes. A cidade tem 30 mil habitantes e duas agências de correio: uma freqüentada por negros e a outra por brancos. No monumento aos mortos da Segunda Guerra Mundial, os nomes dos combatentes ainda estão separados pela cor. Edith Childs, de 59 anos, reconhece que a cidade mudou muito desde que os tempos em que era legal discriminar negros, mas acha que a luta pelos direitos civis não apagou por completo as divisões raciais no Sul. E, para ela, esta foi uma razão importante para votar em Obama nas primárias:

- Obama é diferente de todos os políticos que apareceram em Greenwood. Não é só o entusiasmo. Ao falar de união entre brancos e negros, fala de algo que nunca vi. Nem em Greenwood nem noutro estado do Sul.

Esse discurso de união, segundo Edith, foi o que levou muitos negros do Sul a votar num candidato que se define como "birracial", passando ao largo das lideranças tradicionais do movimento negro americano.

Acesso à educação é nova prioridade

Segundo estimativas do governo americano, 13,5% da população dos EUA define-se como negra; 15,1% como hispânica; 5% como de origem asiática, 66% como branca e o restante de origens diversas (indígena, por exemplo). Há mais de 13 milhões de negros com idade para votar. A estimativa é que a população americana esteja em 301,6 milhões de pessoas.

Hoje 80% dos negros estão na classe média ou acima dela enquanto que, há 50 anos, 65% deles viviam abaixo da linha da pobreza. Entre os negros, 46% são proprietários dos imóveis em que vivem. Mulheres negras com diploma superior ganham o mesmo que suas concorrentes brancas. Nova York, Los Angeles e Chicago já tiveram prefeitos negros, os governadores de Massachusetts e de Nova York hoje são negros. Isto sem contar a secretária de Estado, vários congressistas e presidentes de grandes corporações como a American Express ou a Time-Warner.

Mesmo assim, em tempos de crise, os negros são os mais atingidos. A renda média das famílias negras americanas é de US$32 mil anuais enquanto a dos brancos ultrapassa US$50 mil anuais. Além disto, num país em que a taxa de desemprego é de 5,5%, entre os negros ela chega a 9,7% - contra 6,9% de hispânicos e 4,4 de brancos.

- A principal reivindicação dos eleitores negros é a criação de empregos e a igualdade de oportunidade na disputa dos postos de trabalho. A classe média negra aumentou, sem dúvida, mas isto aconteceu porque a economia americana cresceu nos anos 90. As disparidades são menores, mas persistem - avalia Bill Springs, diretor do Departamento de Economia da Howard University, em Washington.

O desemprego maior entre os negros é resultante das disparidades educacionais, diz Julia Hare, fundadora do movimento Black Think Tank:

- Educação é hoje a prioridade, sobretudo para os jovens negros, que não podem pagar universidade - diz ela - As disparidades são resultantes da desigualdade de acesso à educação superior por questões econômicas. A maior luta pela igualdade racial hoje é esta: os pais negros querem pagar uma boa universidade para seus filhos.

Para quem acha que os negros não estarão unidos, o cientista político Ron Walters tem uma resposta:

- Os que dizem que o país terá dificuldade de eleger um presidente negro baseiam-se nos resultados de Obama nos estados em que ele teve problemas nas primárias. Mas a eleição tem forte viés ideológico e o eleitorado negro, desde a luta pelos direitos civis, é tradicionalmente ligado aos democratas. E Obama é hoje um candidato com amplas condições de formar uma coalizão de minorias para vencer a maioria conservadora - avalia Walters, professor de políticas de governo da Universidade de Maryland.