Título: FH emociona políticos e amigos no adeus a Ruth
Autor: Barbosa, Adauri Antunes; Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 26/06/2008, O País, p. 8

Velório em São Paulo teve a presença de Lula, de dez ministros, parlamentares, intelectuais e empresários.

SÃO PAULO. Políticos de campos opostos se uniram ontem na despedida à antropóloga Ruth Cardoso, mulher do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Adversários políticos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente se abraçaram e choraram durante o velório, ao lado do caixão.

Lula e sua mulher, Marisa Letícia, que ficaram no velório por cerca de 40 minutos, abraçaram Fernando Henrique. Ao lado do ex-presidente, se aproximaram do caixão e prestaram as últimas homenagens a Ruth Cardoso. O presidente foi a São Paulo acompanhado por dez ministros e vários integrantes do governo.

Os presidentes dos demais poderes - do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes - também foram ao velório.

Ao lado de Fernando Henrique, muito emocionado, políticos conhecidos não seguraram a emoção e choraram. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), amigo de Ruth Cardoso, falou da influência dela:

- Quero dizer que era a pessoa que eu mais ouvia a respeito da minha atuação na vida pública. Sabia sempre que tinha uma opinião sensata, muitas vezes crítica, mas sincera, bem fundamentada e bem intencionada - disse o governador, depois de beijar o rosto da amiga.

Serra abraçou Lula, com quem conversou por alguns minutos:

- (A visita de Lula) foi um gesto quase que institucional do reconhecimento do valor que a Ruth Cardoso tinha e que vai continuar tendo através do seu exemplo. Foi um reconhecimento justo e gentil da parte do presidente e de seus ministros.

FH recebe telefonemas dos Clinton e do rei Juan Carlos

O movimento no salão do velório, no hall de entrada da Sala São Paulo, a sede da Orquestra Sinfônica de São Paulo (Osesp), foi intenso durante toda a tarde. Entre os presentes, Paulo Skaf, presidente da Fiesp; os empresários Horário Lafer Piva, Mário Amato, Lázaro Brandão e Jorge Gerdau Johanpeter; João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo, e sua mulher, Gisela; Otavio Frias Filho, diretor de Redação da "Folha de S. Paulo"; e as atrizes Maitê Proença e Regina Duarte.

Fernando Henrique recebeu telefonemas de condolências do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton e de sua mulher, a senadora Hillary Clinton, e do rei Juan Carlos, da Espanha.

Dezenas de coroas de flores foram enviadas ao velório e foram colocadas na entrada da Sala São Paulo. O enterro será hoje, às 10h, no Cemitério da Consolação, em São Paulo.

Inovação nos projetos sociais é traço destacado

Um dos aspectos mais destacados pelas pessoas que conheceram Ruth Cardoso foi o trabalho social feito por ela à frente do Comunidade Solidária, quando foi primeira-dama.

- Ela ajudou a redefinir os rumos da política social no Brasil. Não fez isso não só quando era mulher do presidente, mas fez isso até o último dia do Comunidade Solidária. Fez o Comunitas, algo dedicado à promoção social, não só alfabetização, mas treinamento e preparação de crianças jovens e adultos - disse Serra.

O governador Aécio Neves (PSDB), de Minas Gerais, falou sobre o trabalho profissional pioneiro que dona Ruth fez:

- O que deve ficar é a lembrança da grande companheira, da grande mulher brasileira, de uma das pioneiras do seu campo profissional e referência não apenas dentro, mas fora do Brasil também. Ela foi uma referência na sua geração e também para os que vieram depois.

A ex-prefeita Marta Suplicy (PT), que esteve no velório ao lado do marido, Luís Favre, lembrou o aspecto intelectual e o papel feminista de dona Ruth.

- Eu tinha muito respeito pela Ruth, que foi uma mulher excepcional em várias áreas. Uma intelectual brilhante, muito respeitada no seu campo de saber, na antropologia. Participamos muitos anos de um grupo feminista juntas. Ela tinha uma consciência clara do papel da mulher e ajudou o marido a perceber isso. E, como primeira-dama, que ela não gostava de ser chamada, desempenhou um papel muito inovador devido à sua competência. Ela foi modelo para várias pessoas, para várias gerações, uma professora excepcional também. É uma perda muito grande para o Brasil. Nós não temos muitas mulheres com o porte, a sabedoria, a delicadeza, a gentileza que tinha a Ruth - afirmou Marta.

O ex-ministro da Educação Paulo Renato de Souza destacou a percepção que a antropóloga Ruth Cardoso tinha da educação como instrumento para reforçar políticas sociais.

- A Ruth tinha uma visão correta do que o país tinha que enfrentar. Por isso, trabalhou desde a elaboração do programa de governo. Ela não tinha um caráter paternalista e preferia abandonar as práticas clientelistas, de cooptação, pelo lado da ajuda - disse.

Paulo Renato lembrou que ela foi uma das formuladoras do programa de educação do PSDB desde a campanha presidencial de 1994 e incentivou a universalização do ensino básico:

- Ter crianças em idade escolar trabalhando, em vez de estar na escola, sempre incomodou a Ruth, por isso o empenho dela no programa Bolsa Escola.