Título: Fast-food, só depois das 21h
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 27/06/2008, O País, p. 3

Temporão agora tenta restringir propaganda de alimentos com gordura, sal e açúcar

Evandro Éboli

Depois do cigarro e das bebidas alcoólicas, o governo lançará agora uma ofensiva para tentar regulamentar a propaganda de alimentos que apresentem altos teores de açúcar, sal e gordura. O Ministério da Saúde, comandado pelo ministro José Gomes Temporão, pretende, até o fim do ano, adotar uma série de regras para restringir a veiculação de anúncios desses produtos, como a permissão de exibição de tal propaganda apenas em horário noturno - entre as 21h e as 6h - e a exigência de divulgação de mensagens de alerta sobre os males desses ingredientes como: "O consumo excessivo de gordura aumenta o risco de desenvolver diabetes e doença do coração".

O ministério alega que é um problema de saúde pública e que as crianças são o alvo principal da propaganda desses produtos. Pesquisa financiada pelo Ministério da Saúde, divulgada ontem, mostra que 72% do total de anúncios de alimentos veiculados na TV envolvem produtos com alto teor de gorduras, sal e açúcar. A publicidade mais freqüente é a de comida fast-food (18%), seguida da de guloseimas e sorvetes (17%), de refrigerantes e sucos artificiais (14%), de salgadinhos de pacote (13%) e de biscoitos, doces e bolos (10%).

A pesquisa foi coordenada pela Universidade de Brasília (UnB) e realizada entre agosto de 2006 e agosto de 2007. Foram analisadas 128.525 peças publicitárias em 4.108 horas de televisão. Os pesquisadores se concentraram em anúncios veiculados em quatro canais de TV, duas abertas e duas a cabo.

"Sei que é polêmico e mexe com interesses"

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por regular propaganda de bebidas e remédios, finalizou uma proposta para a publicidade de alimentos que apresentam altos teores de sal, açúcar, gordura saturada e gordura trans. Uma consulta pública foi realizada em 2006. A gerente de Monitoramento e Fiscalização de Propaganda da Anvisa, Maria José Delgado Fagundes, disse que o objetivo do governo é transformar esse texto numa resolução definitiva.

- É função do governo cuidar da saúde da população que precisa de atendimento. Boa parte do orçamento da saúde é gasto para cuidar de doenças crônicas, como obesidade, problemas cardíacos e diabetes. Não é uma questão de cercear liberdade de expressão. É regular uma prática publicitária de mercado. Sei que é polêmico e que mexe com interesses. Eles (empresários de publicidade) cuidam de seus negócios. E o governo, da saúde da população - disse Maria José.

A Anvisa quer proibir anúncios de alimentos protagonizados por personagens de programas assistidos pelas crianças, inclusive de desenhos animados Para a agência, essa prática explora negativamente a confiança que as crianças depositam nessas personalidades. O governo também quer vetar a associação desses alimentos com outros considerados saudáveis, como frutas, verduras e legumes, ou com a prática de atividades esportivas.

No caso de anúncio que envolva alimento com altas taxas de açúcar, terá que ser exibida mensagem afirmando que há risco de o consumidor desenvolver obesidade e cárie dentária. No caso de sal, aviso sobre problemas de pressão alta e doenças no coração.

"A criança é vulnerável a este tipo de propaganda"

Uma das coordenadoras da pesquisa, Elisabetta Racine disse que os anúncios de alimentos com alto teor de sal, açúcar e gordura que visam às crianças são exibidos de dia, perto do almoço, e à tarde. E não antes ou depois dos telejornais, programas não assistidos pela maioria das crianças.

- A criança é muito vulnerável a este tipo de propaganda. Quem tem até 12 anos não consegue discernir entre o que é desenho animado e o que é propaganda de um produto feito por um personagem desses. Ela não tem esse filtro. A TV é chave na formação de hábitos dos pequenos e, por isso, é preciso controlar a propaganda de alimentos sim - disse Elisabetta Racine.

Ana Beatriz Vasconcellos, coordenadora-geral da Política de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, defende o controle desses anúncios e diz que tem aumentado o número de crianças no país que apresentam problemas como obesidade, diabetes e doenças cardíacas.

O Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) não quis se manifestar.