Título: Votos mutilados
Autor: O Mundo
Fonte: O Globo, 26/06/2008, O Mundo, p. 27

Eleitores têm mãos decepadas e dedos quebrados para não irem às urnas no Zimbábue.

HARARE

Em meio ao agravamento da crise política do Zimbábue, relatos de mutilações começaram a se somar ontem ao número crescente de assassinatos e torturas no país. Aliados do presidente Robert Mugabe ¿ que está no poder há 28 anos e tenta mais uma reeleição ¿ estariam cortando as mãos e quebrando os dedos de partidários da oposição para impedi-los de votar no segundo turno das eleições presidenciais, marcado para amanhã.

¿ A violência é maior no interior, as pessoas têm as mãos cortadas e os dedos quebrados ¿ relata um jornalista que preferiu não divulgar o nome, em referência a uma prática que remete à Serra Leoa, país que em 2002 pôs fim a dez anos de uma guerra civil que marcou o mundo pelas imagens de seus mutilados.

O líder da oposição, Morgan Tsvangirai, que retirou sua candidatura no domingo para evitar mais derramamento de sangue e se refugiou na embaixada da Holanda, disse que pelo 86 de seus seguidores foram mortos, 10 mil estão feridos e cerca de 200 mil pessoas foram desalojadas de suas casas. No entanto, médicos e outras fontes da oposição estimam que o número de mortos já possa ser quase seis vezes maior e chegar a 500. Médicos estariam tão ocupados em dar conta dos feridos que não estão conseguindo atualizar seus relatórios. O Conselho de Segurança da ONU disse que uma grande quantidade de pessoas já morreu.

Violência não é uma grande novidade no Zimbábue, mas o país passa por uma escalada do terror alarmante desde o primeiro turno das eleições, em 29 de março, quando pela primeira vez desde 1980 o ditador começou a correr risco de perder o posto. Mugabe está no poder desde o fim da colonização britânica. No primeiro turno das eleições, a oposição assumiu a maioria no parlamento e Tsvangirai recebeu mais votos do que Mugabe, embora não em número suficiente para garantir uma vitória direta.

Ontem, a polícia de Mugabe prendeu mais de 200 pessoas da sede do partido da oposição, Movimento para a Mudança Democrática (MDC, na sigla em inglês). A maioria era de partidários que buscavam refúgio no prédio para escapar dos ataques violentos das milícias do partido da situação, o Zanu-PF.

Bush diz que pleito será uma `farsa¿

Mugabe vem negando responsabilidade pelos ataques. ¿Britânicos e seus aliados estão contando mentiras sobre o Zimbábue, dizendo que muita gente está morrendo. São mentiras, pois eles querem criar uma situação para justificar uma intervenção no Zimbábue¿, disse ele num comício na segunda-feira.

O presidente dos EUA, George W. Bush, tachou o 2º turno de farsa.

¿ Você não pode ter eleições livres se um candidato não pode fazer campanha livremente e se seus partidários não podem participar de campanhas sem o medo da intimidação ¿ disse.

Ontem, Tsvangirai deixou temporariamente a embaixada da Holanda para dar uma entrevista, em que defendeu a negociação de solução política liderada por países africanos.

¿ Sempre defendemos que os problemas do Zimbábue são problemas africanos que requerem uma solução africana ¿ disse, antes de voltar à embaixada. ¿ Estou pedindo à União Africana e ao SADC (Comunidade de Desenvolvimento Sul Africana) para liderar uma iniciativa, apoiada pelas Nações Unidas, para administrar o processo de transição.

Vizinhos do Zimbábue ontem defenderam o adiamento do segundo turno, dizendo que a reeleição de Mugabe não teria legitimidade com a escalada da violência, no maior golpe político ao presidente zimbabuano até agora. Tanzânia (na presidência da União Africana), Suazilândia e Angola defenderam negociações entre o governo e a oposição antes da fixação de uma nova data para o segundo turno. Mugabe insiste em levar o pleito adiante alegando que Tsvangirai desistiu da disputa tarde demais.