Título: Sai do armário, bispo!
Autor:
Fonte: O Globo, 27/06/2008, Opinião, p. 7
Osenador e pré-candidato a prefeito Marcelo Crivella se apresenta como bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e é comum ser chamado de ¿ex-bispo¿ na imprensa.
A situação é tão hipócrita quanto a de um homossexual enrustido que se casa com uma mulher e freqüenta saunas gays, acreditando que assim tem o melhor de dois mundos: satisfaz tanto sua natureza quanto a sociedade. Na verdade, porém, vive em negação e não percebe o próprio ridículo.
Todos sabemos que o candidato está numa sinuca de bico. Apesar de liderar as pesquisas e ter o apoio de Lula, ele tem a tarefa quixotesca de reverter o índice de rejeição que sofre por sua ligação com o bispo Macedo. Para piorar, agora se vê às voltas com essa tragédia do Morro da Providência.
Claro que ninguém é maluco de responsabilizá-lo diretamente pela atitude dos criminosos que venderam três rapazes a outros criminosos. Acontece que essa tragédia inominável chamou a atenção para o caráter ¿ambíguo¿ ¿ sejamos gentis ¿ do projeto Cimento Social. O artigo de Crivella publicado sábado neste jornal era o espaço ideal para dissipar essa ¿ambigüidade¿. Por que diabos o custo da reforma de cada casa é de R$22 mil? A seleção dos contemplados realmente foi feita pelos pastores da Igreja Universal do Reino de Deus? E por que diabos o Exército está de guarda-costas de empreiteiros quando o próprio Lula já repetiu inúmeras vezes que a instituição não lida com segurança pública?
Então o pobre leitor abre o jornal e vai ao artigo de Crivella esperando esclarecimentos de um senador da República e candidato a um cargo administrativo. E o que lê? ¿Meu Deus, pergunto, até quando? (¿) Até quando o ódio e o crime irão lançar nossos jovens, uns ensangüentados, na sepultura, outros com armas na mão, no inferno das celas para serem barbarizados e vegetarem anos a fio numa obscura e triste existência?¿
Em vez de dar respostas, Crivella fez perguntas a Deus. Pirotecnia verbal, pois Deus, como se sabe, não costuma dar réplica nos jornais, muito menos afirmar Seu apoio a candidatos.
Em vez de dar explicações racionais que pudessem livrar o Cimento Social das acusações de projeto eleitoreiro com dinheiro público, Crivella fez uma defesa da fé ¿ ¿Creio na corrente dos homens de bem¿ e blá, blá, blá ¿ usando o vocabulário e o tom dramáticos que são padrão dos bispos midiáticos da IURD.
Crivella pode preferir ser apresentado da forma que quiser, mas não consegue fugir da sua natureza. É um bispo da IURD. Cabe a cada eleitor decidir se quer ou não votar num bispo da IURD, mas o senador precisa sair do armário e deixar claro para todos que pensa, age e legisla como bispo, sob o risco de parecer ridículo, na melhor das hipóteses, ou hipócrita, na pior.
JOÃO XIMENES BRAGA é escritor.