Título: Arte e manha
Autor:
Fonte: O Globo, 27/06/2008, Opinião, p. 7

Recordo as esperanças de toda uma classe, a de músicos e compositores, ao saber da nomeação de Gilberto Gil para o Ministério da Cultura.

Hoje, minha decepção com as posições camaleônicas assumidas pelo ministro Gil é total ¿ e uso a palavra decepção com bastante comedimento, porque há quem prefira outras. Caetano Veloso, amigo de longa data do ministro, expressou sua preocupação quando declarou em entrevista que Gilberto Gil não estava atuando exatamente de acordo com as responsabilidades do cargo que ocupa, mas deixando-se levar por crenças pessoais.

Não sou um técnico em direitos autorais, mas sei reconhecer omissão e talvez práticas ainda mais graves, oportunamente disfarçadas de modernidade. Que história é essa de ¿paga quem quer¿, fiando-se na pretensa honestidade e pureza de princípios alheios? Estamos no Brasil do mensalão, com todos os envolvidos soltos; dos ¿bispos¿ com dólares na Bíblia; dos parlamentáveis legislando em causa própria e absolvendo uns aos outros em conluios asquerosos; de um ex-presidente do Senado escondido atrás de um lobista de empreiteira, para mandar sacos de dinheiro que visavam a encobrir adultério e, na trilha desse primeiro escândalo, como aconteceu, tapando com a peneira a descoberta de muitos outros, envolvendo notas frias, rebanhos fantasmas, laranjas e jabaculês. Paga quem quer é o cacete! Essa falsa visão de uma ¿janela para o futuro¿ está crivada de balas perdidas, com vista para corpos nos lixões. Quando as medidas utópicas de Gilberto Gil e Mangabeira Unger forem ¿implementadas¿ estaremos todos mortos.

O pagamento de direitos autorais caiu catastroficamente, na área de fonomecânicos (venda de CDs etc.) e na de execução pública, via o sempre questionado Ecad. E o ministro da cultura, com minúsculas, é omisso, incompetente ou ingênuo, de maneira grotesca.

Agora, urge cravar uma farpa: um profissional que pode receber pagamentos de shows na rabeira de viagens presidenciais ao exterior, talvez, ao contabilizar a receita, não tenha tempo de prestar atenção às dificuldades daqueles que não vivem às expensas dessas Artes & Manhas.

ALDIR BLANC é compositor.