Título: Nos EUA, lição para escola pública de qualidade
Autor: Escóssia, Fernanda da; Tabak, Flávio
Fonte: O Globo, 27/06/2008, O País, p. 12

Programa americano gerencia unidades com participação da comunidade e em parceria com iniciativa privada

escola do Brooklyn dá o incentivo aos estudantes: ¿Seja legal¿

Fernanda da Escóssia e Flávio Tabak

Na hora de fazer o dever, o aluno liga para o celular do professor e tira dúvidas. Se o jovem estiver brigando na rua, o professor pode ser chamado pelos pais para resgatar o brigão. A sala do diretor é o corredor, e os pais dos alunos ajudam a preparar as refeições de sábado, dia que os estudantes passam no colégio. Uma escola mais ou menos assim funciona desde 2005 no bairro nova-iorquino do Brooklyn, nos Estados Unidos. A AMP (sigla de ¿sempre mentalmente preparado¿, em inglês) é uma das 57 unidades da rede Kipp, que gerencia escolas públicas americanas com recursos fornecidos pelo governo.

O modelo, chamado de ¿charter school¿, existe nos EUA desde os anos 90 e é o que no Brasil se caracterizaria como uma PPP (parceria público-privada). O governo escolhe um grupo ou uma cooperativa de pais, por exemplo, para gerenciar uma das unidades de rede pública de ensino. Repassa a verba à qual a escola teria direito, com base no número de alunos, e dá ao administrador autonomia total de gestão ¿ para arrecadar fundos, contratar professores, comprar equipamentos e decidir onde investir. As escolas são livres para conseguir patrocinadores.

Diretor da AMP, o psicólogo Ky Adderley, de 33 anos, que visitou o Brasil para o congresso da Associação Brasileira de Avaliação Educacional, afirma que os resultados apareceram em um ano:

¿ O aproveitamento em leitura pulou de 27% para 71%. Em matemática, foi de 48% para 94%.

O currículo é o mesmo da escola pública, mas cada ¿charter school¿ pode resolver como melhorar as aulas de inglês ou educação física. Na AMP, a educação física inclui capoeira e os alunos repassam as operações de multiplicação cantando rap.

Escola do Brooklyn tem 20% de recursos privados

A escola de Adderley, onde a maioria dos alunos é pobre, latina ou negra, funciona no quarto andar de um prédio de uma escola pública gigante, que foi dividida em pequenas unidades para tentar melhorar o desempenho escolar. Tem 300 alunos e 21 professores.

Ex-aluno de colégios públicos e privados, Adderley foi professor numa escola Kipp e lá aprendeu a bater de porta em porta pelas ruas para conquistar alunos. Há três anos, criou sua escola e percorreu o Brooklyn convidando famílias para conhecer a unidade e seus lemas:

¿ Trabalhe duro, seja legal e não invente desculpas. Não há desculpas para não estudar ¿ diz, lembrando que muitos jovens da região têm problemas que vão desde gravidez adolescente até pais envolvidos com o crime. ¿ Uma aluna engravidou. Acompanhamos a gravidez e a estimulamos a voltar depois do nascimento do bebê, o que aconteceu.

Como as outras escolas Kipp, a AMP é de tempo integral, com dez horas de aula. A preocupação com a motivação se vê na decoração de salas e murais, coloridos e cobertos de palavras de incentivo.

Cerca de 80% do orçamento da escola vêm do governo americano. Os outros 20% resultam de repasses privados. Como têm autonomia financeira e gerencial, as ¿charter schools¿ costumam pagar melhor aos professores, mas não gastam mais do que as regulares. Anualmente, o governo avalia o uso da verba e o desempenho dos alunos. Mas dinheiro, para Adderley, não garante a mudança:

¿ Enfatizamos o conhecimento acadêmico e o caráter. Dizemos que eles precisam tirar notas boas, mas também ser boas pessoas. Nosso lema é ¿trabalhe duro, seja uma boa pessoa¿. É um lema que vale para a escola e para a vida.